segunda-feira, fevereiro 01, 2016

O QUE DIZER SOBRE O LOUVOR?


De passagem por mídias virtuais, vi que alguém falava de um tradicional hino de louvor do qual gosto muito. Parei um pouco para ver e ouvir o vídeo. O pregador usava o hino Grandioso és tu (melodia sueca, letra de Carl Gustav Berg, 1885) para exemplificar o mau uso do louvor. Em sua arenga, ele ia, mais ou menos, assim: “Não é meu preferido ... não tenho nada contra ... vejo os céus (estrelas, raios e trovões) e louvo a Deus. Até então, tudo certo. Deus está aí, Então, vem o ‘E quando, enfim, eu for ao céu subindo’ – aí, já não é Deus, mas eu, sendo louvado!” O homem sequer estava errado, pois para errar teria de estar certo na proposta inicial. Ele estava longe de conhecer a Palavra e o hino, cujo verso final diz: “adorarei a quem por mim mostrou tão grande amor”.
Como meia bobagem basta, fui cantar noutra freguesia. Já ouvi e sofri opiniões sobre letras de cânticos tais como “com glórias coroai”, “coroamos a ti, Senhor”, e outros, à opinada de que “o maior coroa o menor”. Sobre hinos que utilizam figuras bíblicas também há nãos-nãos legalistas, por exemplo, “Era seu nome Barnabé”. Além desses, há ruídos e choros contra versos como “tu és fiel, Senhor, fiel a mim”, e um sem número de outros. Todas essas críticas mal feitas deixam de lado o fato de que o uso do termo coroa tem muitos significados, como é o caso de Paulo, dizendo que os filipenses seriam sua “alegria e coroa”. Os salmos estão repletos de cantos de memória dos grandes feitos de Deus na história. A Bíblia está permeada de cantos sobre feitos de homens a serviço de Deus, de cantos sobre experiências de homens com Deus, como é o caso da fidelidade de Deus “à casa de Israel”, e de bendição de pessoas, tal como o Magnificat de Maria.

Críticas são boas quando decorrem de boa hermenêutica da Palavra aplicada a uma boa hermenêutica do texto e das coisas. Juízos poderão ser feitos, por exemplo, sobre a verdade, a propriedade e a beleza do louvor — isso, quando houver conhecimento, sabedoria, prudência e discernimento para tanto — mas jamais baseados em parecer pessoal sem base e tolo.

Em Efésios 1.3-14, Paulo fornece um arcabouço teológico que nos permite estabelecer que o nosso louvor a Deus é tudo o que retrata sua glória a nós concedida, pela graça, em Jesus Cristo, como diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo ... para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.3,6).

1a. Bênção: o louvor pela escolha para a adoção em Cristo (vv. 1-6)Louvar significa atribuir valor a o que ou a quem de direito. Louvamos princípios de valor, tais como honra, comportamentos, consciência pura, etc. Louvamos coisas a que apreciamos. Louvor supremo, contudo, somente pode ser dado a Deus o doador de nossa herança.
Nossas perspectivas de Deus, do ser humano, e do mundo, sofrem, pelo menos, três desvios de visão. Primeiro, por causa da queda do pecado, confundimos luz com trevas; segundo, o ser humano finito, nem mesmo antes do pecado, pode considerar o infinito de Deus; e, terceiro, por causa do pecado, temos a tendência de adorar a Deus à nossa maneira, como fez Caim. Paulo pede a Deus que sejamos diferentes disso: “para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele”. Ele chama as bênçãos de Deus de revelação do “mistério de sua vontade”.

Nesse mistério infinito Deus nos revela que somos predestinados. A confusão e o alarido do louvor de hoje são provocados por um falso entendimento do Ser de Deus e do exercício de sua vontade. Ninguém louvará a Deus se não estiver certo de que ele é o princípio e o fim de todo propósito, e que ele nos escolheu antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis. Deus não é homem, e sua vontade não é paralela a do ser humano. Antes, nossa vontade está circunscrita a de Deus. De uma maneira, Deus não nos criou dentro do círculo do seu ser, pois ele é transcendente; de outra, ele penetrou o circulo de sua criação por meio da obra de seu Filho “de os tempos eternos”, portanto ele é imanente – o Deus de longe e de perto. Podemos, assim, dizer que Deus habita em um “círculo” infinito que compreende o nosso círculo finito. Por sua vontade fomos criados, por sua vontade fomos escolhidos, predestinados. O repúdio dessa escolha, nega a nossa crença no que Deus revela sobre si mesmo em sua Palavra.

Em outras palavras, Deus não é louvado quando a vida do que pretende louvar não reconhece sua grandeza nem busca a santificação e a irrepreensibilidade do caráter de Deus, em Cristo. Isso implica que Deus não é também louvado quando sua escolha é substituída por uma impossível salvação baseada na escolha humana. Especialmente, fomos chamados para participar do círculo dos filhos de Deus. Fomos predestinados para adoção em Cristo, “para o louvor da glória de sua graça”. A adoção implica em que tudo o que o Senhor Jesus Cristo é para o Pai é-nos conferido pelo pacto eterno. Desse modo, o verdadeiro louvor é prestado por filhos de Deus. Louvar é atribuir a Deus o valor de ser ele O QUE É. Louvar é atribuir a Deus a bondade, misericórdia e fidelidade com que fomos agraciados em todas as bênçãos “nos lugares celestiais” em Cristo.

2 a. Bênção: o louvor pela redenção para manifestação de sua glória (vv. 6-10) — O verdadeiro louvor é sacrifical, isto é, ele não é gratuito. É nascido do sacrifício de Cristo e demanda uma vida sacrifical, de deposição de tudo o que temos e somos. O louvor é fruto de lábios que confessam o nome de Jesus (Hb 13.15). Sacrifícios de louvor significam um amor total a Quem nos amou primeiro. Por isso mesmo, o Filho de Deus, Deus Homem e Homem Deus, é chamado de o Amado.

Por amor, ele nos resgatou para a santificação, tirando-nos de uma esfera de morte para uma esfera de vida. Ele nos redimiu com seu sangue purificador, perdoando os nossos pecados. Tudo isso, diz Paulo, “segundo a riqueza da sua graça” derramada sobre nós em “abundantemente ... sobre nós em toda a sabedoria e prudência”. Deus nos desvendou o mistério da sua vontade conforme segundo o seu pacto proposto em Cristo de convergir nele, no ápice dos tempos “todas as coisas, tanto as do céu como as da terra”.

É significante lembrar que estar “em Cristo” — “nas regiões celestiais em Cristo” e ser “herança” dele e para ele — requer um louvor coerente. O louvor verdadeiro converge em Cristo, em sua doutrina, e não em sua expressão. Nenhum louvor é neutro, isto é, não é obra de arte sem obrigação com linhas de pensamentos culturais, artísticos e daí em diante. Todo louvor proclama uma glória, todo louvor implica uma doutrina, quer sem Deus quer pretextando Deus — o falso louvor proclama a glória do mundo quando rouba dele as estratégias de mercado, as flutuações da moda, etc. Há um só louvor verdadeiro, e este é a expressão da beleza da glória, ou reflexo do caráter, de Deus “na face de Cristo” (cf 2Co 4.6).

O louvor da glória de Deus em Cristo consiste em amá-lo e em amar os que são seus, de tal modo que nenhuma outra paixão, êxtase, regra, e gosto tomem o seu lugar como círculo e centro da vida. Louvar significa amá-lo com extrema gratidão pela redenção, com profunda contrição diante do alto preço de sangue da remissão, e com genuína alegria.

3a. Bênção: o louvor pelo Penhor da esperança eterna (vv. 11-14) — “Deus busca adoradores”, disse Jesus à mulher samaritana. Certamente, ele não os busca porque tenha necessidade, mas porque nós nos realizamos na adoração. Adorar a Deus é comungar sua pessoalidade e derivar dela, em Cristo, a essência de quem somos. Por decorrência, quem louva a Deus em humilde adoração, alcança as alturas de Deus e atinge as profundezas do próprio ser.
Fomos feitos herança, predestinados para usufruir as abundantes bênçãos celestiais segundo a vontade do Deus trino. Somos herdeiros e herança do pacto trinitário para sermos “para o louvor de sua glória”. Isso fala de uma vida de louvor, de um perene louvor no encanto de saber que somos dele e que ele é nosso, e de uma viva esperança. Esperança de que o Senhor Jesus, que, em nosso lugar, encarnou, viveu em obediência, morreu, ressuscitou e ascendeu aos céus, de lá virá fisicamente para nos buscar. Por enquanto, ele habita entre nós e em nós, em seu Espírito. Por ele ouvimos a Palavra, provamos a fé e o arrependimento, fomos regenerados, fomos selados com penhor da nossa herança. Pelo Espírito de Cristo temos comunhão com Deus e com a igreja de Cristo. Pelo Espírito que procede do Pai e do Filho temos a esperança do regate dos herdeiros para a vida eterna. Tudo isso, “em louvor da sua glória”.

Quando alguém louva ao Senhor, deve estar consciente de que não presta culto gratuito (“preço de sangue ele pagou”) nem pretende conseguir coisas caras (“ouro e prata não almejo”). Tudo vem de Deus que já nos concedeu todas as bênçãos necessárias à vida e à piedade (2Pd 1.3). Só resta, ao crente, cantar com o coração e com os lábios: “Quão grande és tu” nas obras de sua criação feitas em Cristo, “dele, por meio dele e para ele”, na obra da redenção em Cristo, na providência para a vida que é agora provida pelo Espírito, no lar, na igreja, e no mundo, na esperança de adorá-lo em presença, corpo e alma em perfeita glória diante de sua glória imarcescível!

Na sequência desta escritura testamental do Evangelho, Paulo rompe em uma oração de prece em que existe uma ênfase no louvor individual e coletivo e congregacional:

Por isso, também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder (Efésios 1.15-19).


Wadislau Martins Gomes

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