sexta-feira, janeiro 29, 2016

ATÉ LÁ, MEU IRMÃO

Emílio fez-me uma visita no hospital. Ali, prostrado, magro “como poste de avenida” (obrigado, Paulo Bonfim), com dores de infecção em vértebras fraturadas e no psoas, recebi-o como quem recebe um outono com gosto de fruta madura. Em um momento, entrou a enfermeira, e perguntou: “Seu irmão?” Emílio, de pronto e num sorriso, moveu o olhar dela para mim, como era seu jeito, e respondeu: “De duas maneiras”.

Se pudesse, agora, eu lhe diria: “Emílio, meu irmão de todas as maneiras, a notícia de sua morte doeu em mim mais do que as dores na carne. Quando Davi contou, foi um murro do estômago. Acovardei-me. Não consegui falar com a Regina nem com Emílio Neto nem com Tércio nem com Catarina. Fiquei paralisado ante a dor da dor. Não pude ir ao seu enterro, não pude chorar com “seu” Emílio e dona Trindade. Não ouvi nem disse uma última palavra.”

Hoje, no calor do verão, Emílio veio aquecer meu coração. Daniel mostrou-me uma nota do Emílio Neto, um escrito sobre primaveras e outonos, norte e sul, árvores secas e folhas coloridas.
Soltou-se o nó da garganta. Vai, aqui, para a prima e para os primos, e para meus filhos, filha, e netos, para os irmãos e amigos, uma reprodução do texto do Emílio, como um presente “de duas maneiras”, de coração a coração. Sou velho, saindo da cena das estações, à espera da vida eterna.

NO OUTONO DA VIDA
2008 http://emiliogarofalo.blogspot.com.br/2008/09/no-outono-da-vida.html?spref=fb

Prefiro ver e sentir o Outono ao norte do equador. Lá como cá, as folhas caem no Outono, pois conhecem o tempo e as estações e “sabem” que sua hora chegou e que devem deixar a vida para que outras folhas ocupem seu lugar. Mas, não se entristecem por isso; ao contrário, engalanam-se, explodem numa profusão de cores que só nesse tempo se vê. Cores inimagináveis ao sul do Equador.

Quando o Outono chega no norte é Primavera aqui (E a Primavera ao sul é mais bonita que a Primavera do norte). Mas, sul ou norte, as folhas caem no Outono. O vento e a chuva, elementos do tempo e do tempo ajudam nessa queda. Mas no norte, quando o espectro de cores se completa, o vento em reverência, antes de derrubá-las de vez, faz com que bailem coloridas no ar, se misturem no céu, como um festival de bandeiras em feriado nacional (licença, Orestes Barbosa, Silvio Caldas).

E a chuva as faz brilhar, mesmo no chão, antes que se conclua sua “saída de cena” e se inicie o processo de transformação em alimento para a flora.
Quando chega o Outono de nossa vida, acompanha-o a angustiante questão sobre como “sair de cena”, uma verdadeira “não opção” já decidida ao nascer. Como fazê-lo?
Com discrição, como as folhas fazem ao sul, à espera de ressurreição na primavera? Ou revestir a alma do turbilhão de alegria que as folhas do norte escolhem sempre, mesmo sabendo que não voltarão e que novas folhas surgirão nos galhos de onde saíram?
Fico pensando que essas folhas que se colorem com o anúncio de seu fim, que festejam o seu próprio fim, acreditam em vida eterna.

Até lá, meu irmão de duas maneiras.

Wadislau Martins Gomes

Um comentário:

regina garofalo disse...

Que belo presente,meu primo querido! Suas palavras,o texto do Emilio (sdde),e junto deles,o seu coração derramado por nós... Impactou e aqueceu profundamente o meu...no agora e na esperança do que nos espera na glória !Obrigada,querido...muito ! No afeto do abraço demorado,
e no amor que nos une,Regina.