sexta-feira, novembro 29, 2013

VELHO NAMORADO FALA DE NAMORO


Você conhece aquela do cachorro que corria atrás de carros e que, um dia, conseguindo pegar um, não sabia o que fazer com ele? A coisa do namoro vai por aí. Há quem realmente deseje “encontrar um amor” e nesse sentido, o namoro é um processo de conhecimento mútuo dos enamorados. A Bíblia não menciona a palavra “namoro” no sentido de oficialização de um pacto, mas descreve a ideia de atração e compromisso afetuoso entre um homem e uma mulher, como no caso de Jacó e Raquel (“Assim, por amor a Raquel, serviu Jacó sete anos; e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo muito que a amava” – Gênesis 29.20). No entanto, há quem queira namorar – uma ânsia de afeto, de proximidade bem natural –, mas não sabe com quem. De fato, esse tipo de pessoa quer namorar o “namoro”, isto é, sentir o gelo na espinha, a borboleta no estômago, ou ter com o que desfilar por aí, ou, ainda, achar oportunidade para “umas carnalidades” consentidas. Nisso é que dá correr atrás de namoro sem saber o que fazer com ele. Nesse caso, o alvo de namorar vem primeiro, como um culto a um ídolo desconhecido, que depois leva a cara das pessoas que “cabem” no andor.

Aí é que se adéqua minha versão do ditado: devagar com o santo que o andor é de barro. Primeiro deveria vir o encontro de pessoas, depois o desejo de namorar. Mas como o nosso coração prefere mais sentir ânsias de paixão a viver anseios de amor, a gente acaba pondo o andor do namoro no lugar do santo. Tal como tem de existir água antes que haja o desejo de nadar, assim também deveria haver alguém que despertasse o desejo de “namorar”. Como consequência dessa inversão, ocorre um tríplice engano. Primeiro quem põe à frente o alvo de namorar antes conhecer a pessoa objeto do encontro, tem de criar uma imagem dela, até mesmo para que a possa reconhecer, acaba criando a cara do santo à sua própria semelhança e torna o encontro que deveria ser gracioso em uma transação egoísta. Segundo, para que possa vir antes do encontro, o namoro (que deveria ser um termo descritivo da arte desse encontro especial) vira substantivo, quer dizer, torna-se um termo designativo de uma instituição, como pequeno noivado ou casamento. Terceiro, nessa condição, o namoro é assumido como um ídolo com poderes para satisfazer as necessidades dos pares e, consequentemente, torna-se um encontro por necessidade e não por expressão de amor. Em vez de ser um encontro que promova o bem do outro, vira um encontro para derivação de “benefício” próprio (“Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” – Filipenses 2.4-5).

O namoro cristão – no sentido de um período de atração e de conhecimento mútuo entre um homem e uma mulher com vistas a um compromisso de amor – é uma relação entre irmãos com o propósito de agradar a Deus por meio do conhecimento da vontade de Deus caracterizado pela devida santidade. Paulo, instruindo os tessalonicenses sobre essa matéria, diz: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição; que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra” (ver 1Ts 4.3-4; ver vv 1-9). A palavra “possuir” (gr., ktaomai) tem o sentido de “adquirir”, “obter uma esposa”, e a expressão “próprio corpo” (gr., skeuos, vaso) tem o sentido de “implemento”, que lembra o texto de Efésios 5.31: “Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne”. Nessa linha de pensamento, Paulo realça que o empenho de buscar o “par de vaso” implica em um relacionamento entre irmãos. Assim, namoro deveria ser um relacionamento entre irmãos com vistas a uma união íntima. Essa união íntima exige o conhecimento de Deus em santidade de vida e o conhecimento mútuo dos envolvidos com base no conhecimento da vontade de Deus e no exercício da pureza do amor.

Do jeito que as coisas estão, hoje, o namoro dispensa o conhecimento da vontade de Deus e opta pela busca experimental do “par de vaso” por meio de uma intimidade exacerbada e não própria de irmãos. A jovem ou o jovem “namora” um, depois outro, e outro, até se esgotarem as possibilidades na igreja ou ao redor. Um dia, aparece uma cara nova e, no dia seguinte, os namorados dão-se e exigem todos os direitos de uma falsa intimidade – em nome do amor! Falsa, digo, porque não há intimidade sem conhecimento. Na verdade, toda intimidade sem conhecimento é abuso e violência. Não é fato que todos somos pudicos por natureza? Somos protetores de nossa intimidade assim como jogadores de futebol que, na barreira para um chute a gol, protegem “a cara”? Não é apenas que a menina e o menino foram socialmente condicionados a proteger a intimidade talvez por causa de expressões como: “Só a mamãe pode lavar aí até que você aprenda a se lavar” ou “Tira a mão daí, menino; tá com coceira?” Sobretudo, isso é porque Deus disse que as partes mais honradas foram estrategicamente protegidas por fortes partes do corpo (ver 1Coríntios 12.22-14). É verdadeiro também que as meninas crescem dotadas de um senso de sua missão de mulher, tanto como ninho da humanidade quanto de espelho da glória de Deus, refletindo ao homem a dependência que essa humanidade tem em relação à providência de Deus. E os meninos, da mesma forma, crescem dotados de um senso de sua missão masculina de refletir a glória de Deus tanto na proteção do ninho quando na honra a Deus, refletindo a imagem de Deus na vida da mulher. Tudo isso, como Paulo disse, com um propósito maior: “Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne” (Efésios 5.31).

Agora, um dia, vem o completo desconhecido, cheio de beiço e com quatro mãos, murmurando amores e gabando-se de virtudes protetoras, tais como: “Deixa comigo” e “Confia em mim”, e a mocinha tímida ou atrevida, sedenta de experiências de alguma forma de amor – e, no dia seguinte, são os mais íntimos da vida. Nem pai nem mãe nem irmãos sabem mais ou querem mais. Contudo, ocorre que, uma vez que, sem conhecimento e compromisso, intimidade é abuso e violência, os namorados enfrentam um dilema: amar a Deus e ao próximo ou negar o amor a Deus e “fazer” amor com o próximo? Isso é assim porque a intimidade antes de o compromisso com Deus ser selado no compromisso com o “par de vaso” é, de fato, defraude, como disse Paulo: “e que, nesta matéria, ninguém ofenda nem defraude a seu irmão” (1Ts 4.6).

Poderá ser que ela pense: “Se eu não ceder, perco a oportunidade” ou “o corpo é meu, faço o que quero”. E poderá ser que ele pense: “Se eu não aproveitar, outro aproveita” ou “Se eu não for afoito o que é que vão (ou ela vai) dizer de mim?” O fato é que, ele e ela estarão se rebaixando e rebaixando um ao outro, de um grau de dignidade que Deus deu a todos os homens como parte da graça comum, pois todos temos consciência do bem e mal (ver Romanos 2, esp. vv 14-21).

Seja um namoro consequente ou inconsequente, os resultados virão. No caso de um namoro inconsequente (como a saída do moço arguido pelo pai da moça, se estava namorando a filha pra casar ou pra que é, respondeu: “Pra que é”), lembre-se de que os namorados sempre preparam o marido ou a esposa de outro irmão ou irmã em Cristo, e o defraude, guardando culpa e medo, diminuirá as possibilidades de futuros relacionamentos bem sucedidos. No caso de um namoro que acabe em casamento, o defraude gerará culpa e ciúme. A qualquer hora ele se perguntará se o chefe, colega ou amigo da esposa terá mais “lábia” do que ele; ou ela se perguntará se a secretária, amiga ou o que for do marido será mais atraente do que ela. Certamente, para os consequentes, haverá sempre a esperança firme de redenção por meio do arrependimento e da confissão, em Cristo Jesus. Para os inconsequentes, ainda que prevaleça a redenção, a restauração será sempre mais difícil e dolorosa.

O namoro, em moldes bíblicos, portanto, é oportunidade para uma amizade fraterna que visa o conhecimento de Deus e propicia o conhecimento próprio e o conhecimento mútuo. Isso implica a orientação da Palavra de Deus:

Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado. Porque nos temos tornado participantes de Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até ao fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos (Hebreus 3:12-14).

Uma boa regra para o namoro será: lembre-se de que o beijo cala a boca. Por isso, fale, converse, instrua, aconselhe. Permita que o conhecimento em Cristo seja a intimidade que oriente a maravilha do caminho “do homem com a donzela” (Provérbios 30.19). Conheça a história do coração (memórias) do irmão ou irmã, mas conheça com discernimento, lembrando coisas que transmitam graça, não murmuração, amarguras, maledicências, impurezas e impudicícias. Dignifique o irmão ou irmã com a dignidade de servos de Cristo.

Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai (Colossenses 3.16-17).

Bom namoro!

Wadislau Martins Gomes

quarta-feira, novembro 13, 2013

GRAÇA E PANELAS FURADAS


 

A graça de Deus é que permite conhecer e discernir as dimensões de unicidade e multiplicidade em tudo o que existe. O que eu quero dizer? Isto mesmo que foi dito: o que permite que conheçamos a Deus e as coisas que ele criou, incluindo a nós mesmos, é sua graça. Mas o que é graça? Esta é uma palavra de contato, isto é, que a gente usa sem saber definir o significado. Um dos sentidos do termo graça é muito conhecido e usado: “favor imerecido”. Entretanto, este sentido é descritivo de uma propriedade da graça, não do seu significado.

Deixe-me ilustrar. Era o fim da década dos cinquentas, quando os jovens vestiam calças “rancheiras” (o jeans da época), as moças de sandálias e os moços de botas com salto “carapeta” (do formato de peão). Minha irmã, já falecida, estava naquela idade de ser menina moça, muito graciosa. Um dia, aproximou dela um jovem bem tratado, cabelo volteado na testa, que disse: “Posso saber sua graça”. Ela respondeu: “Eu não fiz graça nenhuma!” Tão logo percebeu a situação incômoda, saiu correndo, sem graça. Parece piada, mas se aplica bem à definição do termo. Graça é identidade, beleza, paz (interação harmônica) e alegria. Graça é a manifestação da identidade de Deus, de sua beleza, de sua paz e de sua alegria.

Por que “favor imerecido”? Vai outra ilustração. Pequeno ainda, na cidade de Jahu, SP, quando a noite caia, eu me punha a olhar as estrelas. O céu parecia uma daquelas panelas pretas da fuligem do fogão a carvão que havia lá em casa. Às vezes, as panelas começavam a chiar no fogo, e minha mãe as levantava contra a luz para ver se estavam furadas. E eu imaginava se as estrelas não seriam furos na negridão do céu, deixando passar réstias fulgentes de uma luz perene. Assim é que, à visão de cada traço de luz do amor de Deus que penetra as trevas do pecado deste mundo, o crente diz: “Eu não mereço!”

Graça é isso: o movimento de Deus na direção do homem a fim de transmitir sua própria natureza. É sobre esse movimento que Pedro escreveu:

Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo (2Pd 1.3-4).

Como opera a graça de Deus? Certamente mediante a fé. A Palavra de Deus diz que a fé é uma certeza que pressupõe esperança, não como quem “torce” num jogo ou numa eleição, mas a certeza de algo que se conhece, mas que ainda não se vê (como esperar se não for conhecido? – ver Hebreus 11.1-6). No mesmo lugar, a Escritura diz:

Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem. De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam.

Galardoador, aqui, não tem o sentido de recompensador de obras, mas da fé. Como diz Calvino (Comentário aos Hebreus), a intenção do autor de Hebreus é elevar nossa consciência para ver que nossa aproximação de Deus não será vã, pois ele mesmo nos criou para tal finalidade e propósito.

Wadislau Martins Gomes

(Extraído de Todo mundo pensa – você também; Brasília: Monergismo, 2013, pp 52-54.)

sábado, novembro 09, 2013

MUDANÇAS & PERMANÊNCIA


“Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a
eternidade no coração do homem” (Ec 3.11). 
 
Odiava mudança. Filha de missionários norte-americanos, radicada no Brasil, antes dos dezoito anos, quando me casei, já havia mudado mais de trinta vezes em seis estados e dois continentes. Cursando o Seminário Bíblico Palavra da Vida, moramos na “casa branca” e no “motel velho”, duplicando residências na casa dos meus sogros quando Lau ajudava a igreja de Araras e durante as férias, quando “voltávamos para casa”. Mudando para Belo Horizonte, moramos no Sion, no Bairro das Nações Unidas (onde compramos uma casinha cuja parede caiu) e na Serra, perto do Hospital Evangélico em casa graciosamente emprestada pelos irmãos Abdala e Paulinho. Mudamos para São Paulo, onde primeiro moramos no Brooklyn e depois em três residências diferentes em Santana. Quando Lau assumiu um pastorado em Jaú, fomos para o “apartamento pastoral”, e, depois, para a espaçosa casa pastoral então adquirida. A mudança de ministério, o trabalho de tempo integral com O Refúgio, levou-nos por três anos a morar numa grande casa de fazenda, emprestada. Sendo meu marido convidado para dirigir o Instituto Presbiteriano Nacional de Educação, em Brasília, enfrentamos mais uma mudança e duas residências – para, quatro anos depois, desfazermo-nos de tudo que possuíamos e ir aos Estados Unidos. Lá, moramos temporariamente com um jovem pastor, John Yenchko, e sua esposa Nina, que receberam em amor a família do novo aluno do CCEF, antes de encontrar uma situação residencial mais estável na 301 (e depois 309) Bent Road, em Wyncote. A nova residência era uma mansão vitoriana dividida com outra família de estudante. Uma mudança para Boston, para implantar igrejas, incluiu um séquito de duas casas e dois apartamentos. Voltamos para Brasília só com o filho mais novo (a filha estava casada e o filho mais velho continuou o pastorado começado por Wadislau e ele, em Alston), onde houve o apartamento da igreja e, mais tarde, a casa da chácara O Refúgio. Depois disso, mais duas casas em outro sítio de O Refúgio, em Mogi das Cruzes, SP.

Na maturidade, as mudanças não vieram mais de ano em ano, mas continuavam nos surpreendendo. Mudança de local nem sempre implica mudança de vida ou status, mas, muitas vezes, mudanças externas e internas ocorrem simultaneamente, mesmo que algumas sejam imperceptíveis, no começo. Por exemplo, o começo de nossa vida de casados foi no final dos estudos bíblicos, preparando-nos para o trabalho missionário (incluindo visitando muitas igrejas para levantar o sustento); tive gravidez, parto, nascimento e criação do primeiro filho enquanto estudávamos e trabalhávamos em diversos “bicos”, de Lau abrindo fossas e poços, aprendendo marcenaria com Haroldo, grego com Ary Veloso e teologia com Dr. Shedd (a quem hospedamos diversas vezes para refeições) e sendo motorista do IBPV, até minha aventura de fazer doces e vender aos colegas ou dar aulas de inglês sem nenhuma garantia de sustento financeiro – vivendo a abundância da graça de Deus.

Em BH, a missão teve mudança de enfoque: evangelização de israelitas. Com cinco salários mínimos, alugávamos apartamento, comprávamos alimentos, material de limpeza e nos locomovíamos, tendo ainda para compartilhar oferta com outros irmãos! E dava! Comecei a dar aulas em tempo parcial (outra grande mudança de vida, apesar de eu ter dado aulas particulares desde os treze anos de idade) e estudamos para prestar e passar exames de estudo secular, depois simplesmente continuamos estudando sempre para aprender.

Não dá para enumerar mais as modificações de vida, de enfoque, de situações, nas mudanças que continuavam ocorrendo, ao vir a São Paulo no trabalho missionário, no primeiro pastorado de uma igreja (que no começo não tinha como nos sustentar, e em que, depois, dividíamos o salário do Lau com o auxiliar de pastor para que ele também pudesse servir a igreja!). Obviamente eu era bastante imatura; cometi muitos erros de desempenho como esposa de pastor e erros básicos de vida cristã. Aprendíamos sobre eternidade da vida com Deus e a efemeridade da vida no tempo. Vivendo na cidade grande, ansiávamos pela Cidade Celestial, como os perambulantes do deserto no Salmo 117 que firmaram raízes no Senhor e sua Palavra,

Ao mudar para Jaú, cidade da infância do Lau, coração de São Paulo e cerne de grandes expectativas de fazer e realizar para o Senhor, começamos a aprender também que as realizações não eram tão importantes quanto ser do Senhor – instrumentos e não agentes,  servos e não fazedores! Wadislau era pastor cercado e procurado principalmente por jovens, e alguns dos velhos sob seu cuidado, que o haviam carregado no colo, também pastoreavam nossos corações. Continuamos no aprendizado enquanto servíamos ali, depois na capital federal, e então, voltando aos estudos na casa dos quarentas em outro país, outra cultura, tendo três filhos estudantes também se preparando para a vida e vivendo enquanto se preparavam! Finalmente, quando fomos para o campo como caipiras assumidos em busca do ministério sonhado, de aconselhamento, muitos perguntavam como então viveríamos ou sustentaríamos os filhos? Lau respondia “Como sempre, na dependência do Senhor” – que não significa de papo pro ar, mas de “cavar buraco quando é preciso, e tapar buraco se não tiver o que fazer – Deus dá o sustento ao trabalhador”.

Depois de mais de seis anos nos States, voltamos a Brasília, então com meu marido no pastorado da IP Nacional. Além de mudanças de posição e atuação, havia também transformações de ciclo de vida. Em cada lugar aonde fomos, fizemos amizades, tivemos grandes perdas e inestimáveis ganhos para a eternidade. Quando deixamos a IPN para construir, finalmente, a Refúgio, pensei “Agora quero viver até morrer na casa que estamos construindo” e vários irmãos nos apoiavam nessa meta. NUNCA MAIS VOU MUDAR, pensei.

Mas mudança faz parte da vida cristã, e Deus nos chamou para mais uma deslocação geográfica, enquanto trabalhava nossa transformação mental e cardíaca. Continuamos trabalhando, servindo, escrevendo, participando ativamente do Reino. Não somos mais descritos como jovens nem fica sobre nós o rótulo de imaturos ou inacabados. Às vezes nos sentimos acabados mesmo fisicamente, quando o corpo não tem a agilidade de quando acampávamos na praia ou no campo, viajávamos de Volkswagen de Belo Horizonte à Argentina e Uruguai, de São Paulo a Garanhuns, nossa família com outro casal, sem pernoite em hotel, ou mesmo mil quilômetros de Brasília a Araras saindo de madrugada e chegando à noite, comíamos frango com farofa feito na noite anterior e acondicionado em lata de Neston! É, nós farofeiros de outrora hoje aceitamos compromissos em que vamos de avião se for mais de 500 quilômetros de distância. Não é luxo, não – os tempos mudaram e o tempo deixou marcas em nosso corpo descuidado!

Jamais deixamos de ter cuidado com o que realmente transforma a vida. Fortalecemos a alma, amolecemos o coração e buscamos transformar a disposição para um contentamento autêntico, conforme Paulo indicava depois de ter vivido incríveis aventuras e impossíveis sofrimentos: “Aprendi a estar contente em toda situação...” (Fp 4.11 e 1Tm 6.6-8). Cada mudança tem sido parte de nossa meta de inconformidade com o mundo e de transformação segundo a mente renovada proposta pelo Senhor (Rm 12.1-3). Em muitos aspectos, somos os mesmos que começamos a caminhar juntos há quase cinquenta anos. Em outros, ainda estamos sendo mudados, e não imaginamos o quanto ainda o Senhor da Seara nos transformará. Mudará nosso coração, as coisas ao redor, as pessoas a quem amamos, as circunstâncias que prezamos e as que gostaríamos de ver diferentes! Em meio a um mundo em queda, em espiral descendente, temos um Deus imutável (Malaquias 3.6), uma fé ancorada no firme fundamento: “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19). “Tivemos sempre consciência do contraste de estar, por um lado, em movimento e mudança, enquanto por outro, havia a firme certeza de nossa condição – de forasteiros e peregrinos, embaixadores do Reino celeste, sem medo de sujar as mãos na vida terrestre do aqui e agora”. Podem vir mais mudanças inesperadas nesta época em que amadurecemos e a saúde do corpo deteriora – mas que sejam mudanças de crescimento para a vida no Corpo de Cristo! Embaixatriz, embaixador – forasteiros somos, mas estamos representando um Rei imutável e imarcescível! Bebês, crianças, jovens, maduros, velhos quase decrépitos – um dia mudaremos para a presença permanente e visível do Senhor – e pretendo continuar aprendendo dele quando o vir em glória!

Elizabeth Gomes