terça-feira, fevereiro 28, 2017

QUANDO SE ROMPE O FIO


Nestes últimos tempos, vimos morrer vários amigos queridos, servos de Deus empenhados em sua obra. Às vezes, pensamos que farão falta e que jamais serão substituídos. Esquecemos que Deus não leva os seus filhos para o céu até que sua obra esteja completada na terra. Em conversa com queridos de longa data, lembrávamos que, na última vez em que estivemos juntos, em Brasília, a Gode estava junto. Ela viu minha luta com um fogão cuja porta de forno teimava em não ficar fechada e, no dia seguinte, mandou entregar em casa um fogão novo. Ela era assim—observava as necessidades do povo de Deus e, quando era algo que podia resolver, fazia isso com alegria, sem alarde, sem cerimônia, com muito amor! Ontem fez um ano que ela faleceu.
A última vez que vi Regina, amiga lá de B.H., foi numa formatura do Andrew Jumper. Exuberante, ela mostrava a alegria da música e dos netos. Certamente hoje canta no coral celestial.
Servos do Senhor, mais velhos, como Ary Veloso, nosso professor e encorajador do trabalho; outros, mais novos do que Wadislau e eu, que foram também seus alunos ou por ele estimulados ao ministério, como Carlos Osvaldo e Dídimo, Paulo Solonca,  foram ceifados antes de nós. Todos esses tiveram ministério impactante na igreja de Jesus Cristo em nossa terra. Vários presbíteros—com os quais Wadislau mais contava nas igrejas pelas quais passamos—morreram cedo: Adilson, Péricles, Filemon, Ortêncio. A maioria, devastada doenças com que conviviam por alguns anos. Alguns pensavam ter vencido totalmente a doença implacável, quando de repente ela voltou com força e os derrubou.
Fato é que, à medida que envelhecemos, alguns de nossos amigos e colegas também envelhecem, e alguns completam o número de seus anos. É triste quando alguém tem a vida ceifada por acidentes ou incidentes violentos. A vida é tênue. Está por um fio de prata. Erva seca e cai a flor.
O que “resta” depois dessa ceifa terrível aos olhos dos que não têm esperança, é, olhos dos que confiam no Senhor o cumprimento da esperança de estar com Cristo. Para todos, permanece a dor, pois a morte é o aguilhão do pecado.
Nessas experiências, há órfãos de pais, filhos, amigos — e de cônjuges. Este último, um estado comum a muitas pessoas, para o qual poucos se preparam: a viuvez.
A Bíblia conta que Tamar ficou viúva de um homem perverso, Er (Gn 38.7), e foi-lhe dado segundo casamento com Onã, que não quis prover descendência a seu irmão, e também morreu. O sogro, Judá, não querendo que seu filho, Sua, passasse pela mesma condenação de morte, negligenciou os direitos da nora viúva. Tamar tomou nas próprias mãos a justiça nessa circunstância adversa, concebendo, do sogro enganado, aos gêmeos, Perez e Zera. A despeito dos pecados de seus pais, Perez foi escolhido por Deus para ser antepassado de Jesus.
Outra viúva, que teve grande impacto no relato bíblico, foi a moabita Rute, cujo marido Malom morreu na terra de Moabe. A sogra, Noemi, achava que a viuvez era um castigo de Deus, amargura da vida, e, quando voltou a sua terra de origem, Belém, Rute insistiu em acompanhar para ajudá-la. Ali, além de pão, Rute encontrou um parente remidor, Boaz, que se tornou seu esposo, antepassado do rei Davi e finalmente de Jesus Cristo.
                Os retratos de viuvez, na Palavra de Deus, falam de perda e sofrimento, mas com a possibilidade de serem transformados em ganhos e glória, dependendo da intervenção de Deus na história dessas vidas. Deus ordenou a seu povo, especificamente, que jamais maltratasse ou desprezasse o órfão ou a viúva (Dt 10.18; Sl 68.5) — numa sociedade em que os homens dominavam os bens, muitas vezes ficavam desamparados.
Quando o profeta Elias enfrentou a seca e a fome, em Israel, Deus o sustentou por meio de uma viúva palestina, de Sarepta. Na casa mais pobre de um povo desprezado (1Rs 17.9 ; Lc 4.26) Deus abençoou o lar com fartura de óleo e farinha e devolveu a vida ao filho que morreu!
                No Novo Testamento, vemos que os viúvos não eram desprezados, as viúvas crentes eram cuidadas e honradas pela igreja que instalou diáconos por causa delas (At 6.1;1Tm 5.3). É cerne da religião verdadeira, visitar os órfãos e viúvas nas suas tribulações e guardar a si mesmo incontaminado do mundo (Tg 1.27). Paulo tinha sugestões: “Aos solteiros e viúvos digo que permaneçam como eu...”. Mas admitia que se casassem (1Co 7.8-17), especialmente às viúvas mais novas (1Tm 5.14).
                Foi o caso de Idelette, em meados dos anos 1500, cujo marido morreu na perseguição religiosa de seus tempos. Membros da igreja de João Calvino, o reformador solteirão viu nela uma mulher exemplar; casou com ela e teve-lhe muito amor, cuidando de seus filhos mesmo depois de Idelette ter falecido (1Tm 5.3). A Bíblia recomenda que viúvas jovens casem-se novamente.
Na vida cristã de nossos dias, é possível que enfrentemos desafios imprevistos que  jamais desejaríamos — e devemos passar por eles com sabedoria e gratidão no coração. É o caso de alguns viúvos e viúvas que conheço em Cristo (usarei pseudônimos daqui para frente). Margaret era casada com um líder cristão que despontava na política em seu estado, como foi Daniel na Babilônia. Ele morreu em acidente automobilístico, três quadras de sua casa, deixando filhos de seis e três anos. Alguns meses mais tarde, a menina de seis anos chegou para um moço solteiro de sua igreja e perguntou-lhe: Você não casa conosco e fica com mamãe para ajudar a nos criar? O amigo ficou surpreso com o pedido, mas, convivendo com a família, na igreja, viu que a mãe era uma mulher piedosa, além de bonita e inteligente. Acabaram se casando e formando um novo e bonito lar. Outra mulher que conheço ficou viúva quando ainda grávida da primeira filha. Seu jovem marido era líder nacional de mocidade e sua morte causou imenso impacto na igreja. Um irmão na fé casou-se com ela, assumindo não somente a viúva como também a filha que criou junto dela com os filhos que vieram a nascer desse enlace. Hoje é uma família cristã de valor para o corpo de Cristo.
                 Outro casal conhecido, que serve ao Senhor é composto de uma ex-viúva e um pastor que hoje é exemplo para milhares de casais pelo Brasil a fora.
                Quando a morte finda a vida comum, para o viúvo ou viúva  mais idosa, às vezes, é difícil pensar em um novo casamento. Poderá haver expectativas diversas, de novas uniões abençoadas ou estagnadas. Talvez seja difícil para a pessoa tenha vivido junto a alguém por trinta, quarenta anos, relacionar-se bem com outra. Se o casamento foi feliz e equilibrado, a pessoa viúva entrará num novo casamento com amor e disposição de fazer o bem ao cônjuge. Um viúvo conhecido disse que só casaria novamente se a pessoa aceitasse bem suas filhas, amasse o Reino de Deus e missões, e fosse generosa e desprendida das coisas materiais. Encontrou uma viúva de coração missionário e de disposição amável, e seu novo casamento será bênção como foi o primeiro. Outro, escolhendo somente com base na juventude e beleza, casou-se com alguém da idade dos filhos, sem experiência da vida cristã.
Uma nova esposa do tipo do primeiro exclamou: além de ganhar o fulano, ganhei nove netos! Que bênção! Ela vê a vida como dom de Deus e não conta as perdas passadas como sendo peso!
A liberdade em Cristo em relação ao novo casamento de viúvos é imensa, mas tem um porém: “se falecer o marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor”. Os casados têm de cuidar dos interesses do outro acima dos seus, e os viúvos já têm histórico e bagagem de muita coisa. Será sempre loucura, para solteiros e viuvo0s casadouros, fazê-lo sem que o Senhor Jesus edifique o lar. Conheço um casal de ex-viúvos, ambos crentes em Jesus, que não deixaram as amarras da vida pregressa para se casarem e, nisso, não permaneceram na entrega e submissão ao Senhor Jesus. Ela não aceitava os filhos dele; ele queria manter em tudo o estilo de vida da falecida — o novo casamento foi cheio de problemas e indisposições. Um casamento no Senhor exige vida de quem está em Cristo ser nova criatura, não permitindo que as coisas velhas moldem e mofem a nova vida.
                Uma irmã amada era exemplar na paixão mútua d o casal. Ele morreu depois de intensa luta contra o câncer, e eu pensei que ela jamais se recuperaria da perda. Ela se encontrou com um velho amigo da família, o qual também havia perdido a esposa de forma trágica, e, em pouco tempo, casaram-se, e estão usufruindo juntamente os anos da maturidade. Têm a admiração e o amor dos filhos de seus casamentos anteriores, no respeito ao que tinham antes e na alegria quanto ao que têm agora, no Senhor.
                Lembro-me de Elizabeth Elliot, cujo primeiro marido foi morto pelos índios Auca, em 1956, quando ela era jovem missionária e mãe de menina pequenina. Casou-se, alguns anos depois, com outro pastor — só poderia casar com alguém que tivesse a mesma visão cristã, e viveram muitos anos juntos, ate que ele morreu. Novamente viúva, Elisabeth casou com mais um servo de Deus, que cuidou dela até ela morrer, no ano passado.
                Voltando aos amigos viúvos e viúvas que ficaram assim nos últimos anos, alguns já começam a despontar um novo relacionamento; outros se envolveram no trabalho missionário ou na vida com os netos ou pais idosos de modo que não tem espaço para outro cônjuge. Outros mais, não têm expectativas futuras bem claras. Fato é que cada caso é um caso. Não podemos dizer categoricamente: um novo casamento não deve ser procurado, nem que tem de ser procurado novo casamento. Cada pessoa é diferente e reage de maneira diferente ao que aconteceu em sua vida. O que une a todos é a cláusula “no Senhor”. No Senhor Jesus, a vida e a morte são dons preciosos, e podem ser experimentados para a glória do Senhor ou para a desonra própria e do nome Santo. O resultado de um é alegria para os seus filhos e para si mesmo. O resultado do outro, é o vazio e inglória para todos os envolvidos.
Sou grata a Deus por uma vida junto de meu marido há mais de 50 anos, e acho que esta será a única de minha existência. “O Senhor tem um plano para cada criatura”, e creio que esse foi o que ele traçou para mim; para outras pessoas, ele poderá conceder que experimentem a felicidade muitas vezes. Sou grata a Deus porque alguns de meus amigos que sofreram perdas aparentemente irreparáveis estão refazendo as suas vidas com novidade sobre as antigas experiências. Que Deus nos dê a graça de desenvolver nossa salvação com tremor e temor, quer vivamos ou morramos, sejamos do Senhor, que faz em nós tanto o querer quanto o realizar! (Fp 2.12-13).

Elizabeth Gomes

Um comentário:

Rauni disse...

Já tem alguns anos que leio os posts da irmã Elizabeth. A senhora é um exemplo e uma inspiração para mim, e acredito que para muitos. Louvado seja o Senhor pela sua vida, nobre irmã Elizabeth, serva de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo!