Uma ilustração antiga vai assim – o menino saía para jantar em casa de
um amigo e ouviu uma última recomendação da mãe: E não vá dizer que não gosta de alguma coisa, ein! À mesa, o garoto
viu, olhos arregalados, um prato de jiló tão ameaçados como a ordem materna. Não gosta de jiló?, perguntou a mãe do
amigo. Gosto, respondeu, de pronto, mas não a ponto de comer. Muitas vezes,
cremos, mas não a ponte de praticar. É mais ou menos por aí que vão as “teologizações”
na mídia. Há muita coisa boa, de gente boa, graças a Deus! Mas há, também,
muita falta de coerência entre o que a Bíblia diz e o que dizemos. Por toda
parte vemos ginásticas para cumprir crenças e manter gostos e prazeres
pessoais. E vemos tentativas de comunicação, nas quais más posturas e más
palavras negam os comportamentos requeridos para uma vida de graça mediante a
fé.
Em Efésios 4 (LTNH), Paulo fornece uma lição de teologia da vida cristã
– ...peço a vocês que vivam de uma
maneira que esteja de acordo com o que Deus quis quando chamou vocês (v. 1b).
Nas linhas que se seguem, o apóstolo fala do caráter, da disposição, e do
serviço das pessoas chamadas para viver a união da própria Trindade.
Sejam sempre humildes, bem
educados e pacientes, suportando uns aos outros com amor. Façam tudo para
conservar, por meio da paz que une vocês, a união que o Espírito dá. Há um só
corpo, e um só Espírito, e uma só esperança, para a qual Deus chamou vocês. Há
um só Senhor, uma só fé e um só batismo. E há somente um Deus e Pai de todos,
que é o Senhor de todos, que age por meio de todos e está em todos (vv. 2-5)
Paulo prossegue, dizendo que cada um, dessa totalidade chamada para a
salvação, recebeu de Cristo um dom especial ensinado e treinado por pessoas
igualmente dotadas e, por sua vez, doadas à igreja: apóstolos, profetas,
evangelistas, e pastores mestres, para
preparar o povo de Deus para o serviço cristão a fim de construir o corpo de
Cristo (cf. vv. 11, 12). Somente dessa forma, diz ainda, chegaremos à
necessária unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus. Somente desse modo
seremos pessoas maduras, isto é, alcançaremos a estatura espiritual de Cristo
(cf. v. 13). Somente dessa forma deixaremos de ser crianças surfando ondas
baratas ao sabor dos ventos de mentiras de pessoas falsas (cf. v. 14). Somente falando a verdade com espírito de amor
cresceremos em tudo até alcançarmos a
estatura espiritual de Cristo, que é o cabeça (v. 15).
Como discernir textos maduros e textos imaturos, se nosso conhecimento
das pessoas se resume, em muitos casos, a um contacto de apresentação seletiva?
Em primeiro lugar, observando criticamente o ajustamento que tais
pessoas exibem como membros do corpo da igreja sob o senhorio de Cristo (v.
14). Em segundo lugar, observando como essas pessoas regeneradas abandonam a
velha natureza com seus desejos enganosos e como se separam de posturas pagãs
caracterizadas por falta de vergonha de expor pensamentos e sentimentos
descontrolados e indecentes (vv. 16-19, 22). Em terceiro lugar, observando como
essas pessoas aprenderam como seguidores
de Cristo, ou “aprenderam a Cristo”, que quer dizer como elas aprenderam a verdade a verdade que está em
Cristo (v. 20). As pessoas verdadeiramente dotadas pelo Senhor para servi-lo
no crescimento do corpo de Deus despem-se da velha natureza e revestem-se da nova natureza, criada por Deus, que é
parecida com sua própria natureza e que se mostra na vida verdadeira... (v.
23).
A comunicação dessa vida verdadeira, e nesta vida verdadeira, implica um
constante luta contra todas as formas de mentira. Como expõe o Breve Catecismo
de Westminster, sobre o Nono Mandamento (PR 77, 78), a Bíblia requer a “a
conservação e promoção da verdade entre os homens e a manutenção da nossa boa
reputação, e a do nosso próximo” proibindo
toda forma de mentira, tais como juízos falsos, calunia, difamação, boatos,
falsidades, fofocas, tagarelice, insultos, xingamentos, maledicências,
falsidades e profecias extrabíblicas.
Deixar a mentira e falar a verdade é uma luta realmente difícil, pois
todos somos propensos a considerar as coisas nos limites de nossa própria
visão, e não com os olhos de Deus. Alguns que tentam manter honestidade e
sinceridade, às vezes, ainda assim, falham em função uma pobre exegese do texto
bíblico e desconhecimento da pobreza da natureza humana. O texto de Ef 4.25 diz
que nossa motivação para deixar a mentira e falar a verdade com o próximo
reside no fato de que somos membros uns
dos outros.
Novamente, a nossa união com Cristo e nossa consequente unidade
no corpo de Cristo é que nos habilita a falar a verdade em amor (cf. D. Powlison, Uma nova visão, Ed. Cultura Cristã). Se atendermos à verdade,
também obedeceremos à ordem bíblica de sermos sensíveis à injustiça, irando-nos
contra o pecado e a falsidade em quaisquer termos, quer de doutrina quer de
comportamentos. Em tudo isso, porém não poderemos ir da ira justa à raiva, pois
correremos o risco de sermos tentados pelo diabo (v. 26). Sempre que dermos
lugar à ira rancorosa, amargurada, findaremos roubando ao próximo aquilo que,
antes, deveríamos proporcionar. Em vez de entrar em contendas inglórias,
deveríamos trabalhar para desenvolver os nossos dons e, ainda, para ter com que
acudir o necessitado (v. 28).
Não saia da vossa boca nenhuma
palavra torpe, e sim unica-mente a que for boa para edificação, conforme a necessidade,
e, assim, transmita graça aos que ouvem. E não entristeçais o Espírito de Deus,
no qual fostes selados para o dia da redenção. Longe de vós, toda amargura, e
cólera, e ira, e gritaria, e blas-fêmias, e bem assim toda malícia. Antes, sede
uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros,
como também Deus, em Cristo, vos perdoou (vv. 29-32).
Aquele que consegue ver com os olhos de Deus e, pelo Espírito, entender
a prescrição bíblica, certamente cuidará da própria boca, e da escrita. Para
que usar palavra torpe? Uma figura torpe? Só para chocar? Note que não quero
ser moralista, legalista, e daí em diante, e faço uso de minha liberdade cristã
– mas entendo que, mesmo que uma palavra ou imagem não seja torpe, poderá ser
que seu uso seja malicioso. De todo modo, a pergunta é: o que digo, escrevo ou
exponho, transmite graça ao que me ouve ou vê?
Wadislau Martin Gomes
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