segunda-feira, janeiro 25, 2016

O JARDIM A MINHA VOLTA


Quando vejo o jardim a minha volta, os manacás e as quaresmeiras em flor, a floresta que ano passado foi queimada, hoje renovando e quase verde, tenho de exclamar: Quão variadas são as tuas obras, Senhor! Daí, penso nas diferentes pessoas que fazem parte de minha vida; as que ajudaram em minha formação por meio de informação ou exemplo, semeando idéias ou exercendo mentoria; as que de alguma forma ajudamos a moldar o caráter ao mesmo tempo em que elas foram e são instrumentos para cunhar, esculpir e polir o nosso. Quando tudo isso me vem à mente, tenho de constatar igualmente a variedade em meio à singularidade da obra de Deus no ambiente em que ele nos inseriu. Quão variada é a tua obra, Senhor (Sl 104.24) – minha alma o sabe muito bem!

Mais um fim de semana com a visita de queridos irmãos amigos cujas vidas se uniram a nossa; sou privilegiada por observar a ação de Deus na vida de cada um, mesmo que humilhada por ver o quanto ainda falta aprender da vida, apesar de já ser “madura” há muito tempo...

Daí, lembro-me das discussões recentes de irmãos sobre posições doutrinárias e a dificuldade de alguns aceitarem a variedade no grande jardim de Deus, a supremacia do amor de Deus que permanece após tudo mais passar (1Co 13.8-10). Penso nas árvores majestosas, nas pequenas árvores das quais já podemos colher doces frutos, dos arbustos que vicejam sozinhos ou em fileira de cercas vivas, das floreiras perfumadas e plantas rasteiras que guardam a umidade do solo enquanto mantém a terra no lugar e enfeitam o chão. Deus nos colocou a todos num mesmo jardim—não mais o Éden, mas o jardim do planeta terra, para o cultivar e guardar: cada qual segundo sua espécie, segundo sua tarefa, conforme o querer do Único Jardineiro Perfeito. Penso no vicejar da vida de amigos de todas as tribos, povos e raças, de toda a multiforme variedade em que cada um foi plantado pelo Senhor:

— Advogadas que trabalham para refletir o sol da justiça nos relacionamentos, nas questões e contendas e nos acordos;

— Boleiras, bancárias e bailarinas que somam, acrescentam, equilibram e multiplicam sabores e valores;

         — Cozinheiras de acampamentos e consagradas chefs que não se esquecem de alimentar a alma com a Palavra;

         — Desenhistas e dentistas que usam os detalhes para glorificar a Deus e dar bem-estar a seu povo

         — Educadoras, escritoras, enfermeiras, engenheiras, escriturárias, e estagiárias, todas com tarefa de comunicar, construir, consolidar graça e verdade no que fazem;

         — Financistas e festeiras, filósofas e fiandeiras, tecem sonhos e fios que amarram, fios que se partem, fios que firmam – daí em diante, podemos passar por todo um alfabeto de atividades e condições da existência humana – nós mulheres cristãs estamos inseridas em um planeta onde, “plantadas na casa do Senhor, mesmo em vindo a seca, vicejamos”.

Saindo da sombra verde do jardim, lembro de outra metáfora para nossa vida: a simultaneidade da sabedoria e da simplicidade. Provérbios 1.2-7 fornece o propósito (que tomo humilde e proporcionalmente para mim) de se escrever:

Para aprender a sabedoria e o ensino; para entender as palavras de inteligência; para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a eqüidade; para dar aos simples prudência e aos jovens, conhecimento e bom siso. Ouça o sábio e cresça em prudência; e o instruído adquira habilidade para entender provérbios e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios. O temor do SENHOR é o princípio do saber.

Ao enviar seus discípulos a um mundo em que lobos vorazes espreitam as ovelhas do seu rebanho, Jesus disse:

Eis que eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas. E acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas; por minha causa sereis levados à presença de governadores e de reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios. E, quando vos entregarem, não cuideis em como ou o que haveis de falar, porque, naquela hora, vos será concedido o que haveis de dizer, visto que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós (Mt 10.16-20).

Está faltando muito desse equilíbrio de simplicidade e sagacidade em nossa vida cotidiana—quanto mais nos grandes momentos decisivos que enfrentamos. O apóstolo Paulo lembrava isso no fim de seu tratado teológico-doutrinário na carta aos Romanos:

Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles, porque esses tais não servem a Cristo, nosso Senhor, e sim a seu próprio ventre; e, com suaves palavras e lisonjas, enganam o coração dos incautos. Pois a vossa obediência é conhecida por todos; por isso, me alegro a vosso respeito; e quero que sejais sábios para o bem e símplices para o mal. E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás. A graça de nosso Senhor Jesus seja convosco (Rm 16.17-20).

Percebe que esse equilíbrio de simplicidade e sabedoria está novamente ligado a uma luta entre o bem e o mal, a verdade e o erro, a graça e as desavenças? Na segunda carta aos Coríntios (2Co 11.3), ao defender seu ensino, Paulo lembra o engano da Serpente no Éden versus a simplicidade e pureza que devemos a Cristo:

Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo.

Voltamos a um jardim, a questões de mente e coração, que podem ser cultivados e guardados ou afastados da verdade! O escritor bíblico compara essa simplicidade ao pão sem fermento que se come por ocasião da Páscoa:

Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda? Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade (1 Co 5.6-8).

O tema da sinceridade está sempre ligado à santidade e à verdade (por exemplo, 2Co 1.12; 2Co 2.17; 2Co 8.8; Fp 1.10, Fp 2.15). Nosso cultivo e nossa preservação do jardim não existem sem a santidade simples que resulta da ação da Palavra de Deus em nossa vida. O salmista já expressava isso que o autor de Gênesis descreveu desde os primórdios: “A revelação das tuas palavras esclarece e dá entendimento aos simples” (Sl 119.130). É simples assim. É assim complicada a multiforme, variada vida que vivemos? O autor de Hebreus desafia a cada cristão de todas as eras, porque temos um Sumo Sacerdote fiel:

aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras.

Está aí o desafio. Por mais variada e complexa que seja nossa vida, voltemos à simplicidade do Evangelho. Desafio meus amigos, minhas amigas a guardar, considerar e nos estimular!

Elizabeth Gomes

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