Quando vejo o jardim a minha volta, os manacás e as quaresmeiras em
flor, a floresta que ano passado foi queimada, hoje renovando e quase verde,
tenho de exclamar: Quão variadas são as tuas obras, Senhor! Daí, penso nas diferentes
pessoas que fazem parte de minha vida; as que ajudaram em minha formação por meio
de informação ou exemplo, semeando idéias ou exercendo mentoria; as que de
alguma forma ajudamos a moldar o caráter ao mesmo tempo em que elas foram e são
instrumentos para cunhar, esculpir e polir o nosso. Quando tudo isso me vem à
mente, tenho de constatar igualmente a variedade em meio à singularidade da
obra de Deus no ambiente em que ele nos inseriu. Quão variada é a tua obra,
Senhor (Sl 104.24) – minha alma o sabe muito bem!
Mais um fim de semana com a visita de queridos irmãos amigos cujas vidas
se uniram a nossa; sou privilegiada por observar a ação de Deus na vida de cada
um, mesmo que humilhada por ver o quanto ainda falta aprender da vida, apesar
de já ser “madura” há muito tempo...
Daí, lembro-me das discussões recentes de irmãos sobre posições
doutrinárias e a dificuldade de alguns aceitarem a variedade no grande jardim
de Deus, a supremacia do amor de Deus que permanece após tudo mais passar (1Co
13.8-10). Penso nas árvores majestosas, nas pequenas árvores das quais já podemos
colher doces frutos, dos arbustos que vicejam sozinhos ou em fileira de cercas
vivas, das floreiras perfumadas e plantas rasteiras que guardam a umidade do
solo enquanto mantém a terra no lugar e enfeitam o chão. Deus nos colocou a
todos num mesmo jardim—não mais o Éden, mas o jardim do planeta terra, para o
cultivar e guardar: cada qual segundo sua espécie, segundo sua tarefa, conforme
o querer do Único Jardineiro Perfeito. Penso no vicejar da vida de amigos de
todas as tribos, povos e raças, de toda a multiforme variedade em que cada um
foi plantado pelo Senhor:
— Advogadas que trabalham para
refletir o sol da justiça nos relacionamentos, nas questões e contendas e nos
acordos;
— Boleiras, bancárias e
bailarinas que somam, acrescentam, equilibram e multiplicam sabores e valores;
—
Cozinheiras de acampamentos e consagradas chefs
que não se esquecem de alimentar a alma com a Palavra;
— Desenhistas e
dentistas que usam os detalhes para glorificar a Deus e dar bem-estar a seu
povo
— Educadoras, escritoras,
enfermeiras, engenheiras, escriturárias, e estagiárias, todas com tarefa de
comunicar, construir, consolidar graça e verdade no que fazem;
— Financistas e
festeiras, filósofas e fiandeiras, tecem sonhos e fios que amarram, fios que se
partem, fios que firmam – daí em diante, podemos passar por todo um alfabeto de
atividades e condições da existência humana – nós mulheres cristãs estamos
inseridas em um planeta onde, “plantadas na casa do Senhor, mesmo em vindo a
seca, vicejamos”.
Saindo da sombra verde
do jardim, lembro de outra metáfora para nossa vida: a simultaneidade da
sabedoria e da simplicidade. Provérbios 1.2-7 fornece o propósito (que tomo
humilde e proporcionalmente para mim) de se escrever:
Para
aprender a sabedoria e o ensino; para entender as palavras de inteligência;
para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a eqüidade; para dar
aos simples prudência e aos jovens, conhecimento e bom siso. Ouça o sábio e
cresça em prudência; e o instruído adquira habilidade para entender provérbios
e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios. O temor do SENHOR é o princípio
do saber.
Ao enviar seus
discípulos a um mundo em que lobos vorazes espreitam as ovelhas do seu rebanho,
Jesus disse:
Eis que
eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como
as serpentes e símplices como as pombas. E acautelai-vos dos homens; porque vos
entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas; por minha causa
sereis levados à presença de governadores e de reis, para lhes servir de
testemunho, a eles e aos gentios. E, quando vos entregarem, não cuideis em como
ou o que haveis de falar, porque, naquela hora, vos será concedido o que haveis
de dizer, visto que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é
quem fala em vós (Mt 10.16-20).
Está faltando muito
desse equilíbrio de simplicidade e sagacidade em nossa vida cotidiana—quanto
mais nos grandes momentos decisivos que enfrentamos. O apóstolo Paulo lembrava
isso no fim de seu tratado teológico-doutrinário na carta aos Romanos:
Rogo-vos,
irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo
com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles, porque esses tais não servem
a Cristo, nosso Senhor, e sim a seu próprio ventre; e, com suaves palavras e
lisonjas, enganam o coração dos incautos. Pois a vossa obediência é conhecida
por todos; por isso, me alegro a vosso respeito; e quero que sejais sábios para o bem e símplices para o mal. E o Deus
da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás. A graça de nosso
Senhor Jesus seja convosco (Rm 16.17-20).
Percebe que esse equilíbrio
de simplicidade e sabedoria está novamente ligado a uma luta entre o bem e o
mal, a verdade e o erro, a graça e as desavenças? Na segunda carta aos
Coríntios (2Co 11.3), ao defender seu ensino, Paulo lembra o engano da Serpente
no Éden versus a simplicidade e pureza que devemos a Cristo:
Mas
receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também
seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a
Cristo.
Voltamos a um jardim, a questões de mente e coração, que podem ser
cultivados e guardados ou afastados da verdade! O escritor bíblico compara essa
simplicidade ao pão sem fermento que se come por ocasião da Páscoa:
Não é
boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?
Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato,
sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso,
celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da
malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade (1 Co 5.6-8).
O tema da
sinceridade está sempre ligado à santidade e à verdade (por exemplo, 2Co 1.12;
2Co 2.17; 2Co 8.8; Fp 1.10, Fp 2.15). Nosso cultivo e nossa preservação do
jardim não existem sem a santidade simples que resulta da ação da Palavra de
Deus em nossa vida. O salmista já expressava isso que o autor de Gênesis
descreveu desde os primórdios: “A revelação das tuas palavras esclarece e dá
entendimento aos simples” (Sl 119.130). É simples assim. É assim complicada a
multiforme, variada vida que vivemos? O autor de Hebreus desafia a cada cristão
de todas as eras, porque temos um Sumo Sacerdote fiel:
aproximemo-nos,
com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má
consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da
esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também
uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras.
Está aí o desafio. Por mais variada e complexa que seja nossa vida,
voltemos à simplicidade do Evangelho. Desafio meus amigos, minhas amigas a
guardar, considerar e nos estimular!
Elizabeth Gomes
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