As notícias continuam nos chocando, revoltando e
deixando ora condoídos ora endurecidos. Centenas de pessoas expulsas de suas
terras, suas casas, suas nações, fogem em navios superlotados. Muitos morrem no
caminho, afogados, atirados ao mar ou apanhados por seus perseguidores. As
nações do “Primeiro Mundo” têm reações perplexas, de descaso ou indignação, com
a chegada das hordas de gente vindas do antigo mundo oriental. Hungria fecha
suas portas. Alemanha recebe-os de braços abertos. França se preocupa com a
invasão muçulmana de suas terras, de seu status
quo.
O Brasil, tradicional abrigo para claros imigrantes da
Alemanha e Itália que construíram o progresso do país, para os japoneses que a
mais de século atuam enriquecendo a terra onde fincaram os pés e plantaram
fartura, dos comerciantes e profissionais liberais de variadas origens: judeus,
árabes, libaneses, gregos e troianos de todas as nações – recebeu-os de braços
abertos, implorou que viessem explorar suas vastas terras, adotou muitos de
seus costumes e os assimilou. Mesmo
quando não uma terra de exploradores, somos uma nação de imigrantes.
Tomamos, sem escrúpulos, as terras dos habitantes de
nosso imenso Brasil pré-colonial, expulsando, subjugando, dizimando gês,
tapuias e tupis – e paraguaios – fazendo das riquezas auriverdes nossa própria
“descoberta” e possessão. Trouxemos navios negreiros da África para desenvolver
nossas lavouras e laborar em nossas vilas, sem pensar nos que morreram no
caminho, ou na chibata e no cativeiro dos grandes engenhos. Mas hoje temos
receio que os haitianos tirem nosso lugar de deitados eternamente em berço esplêndido,
os coreanos desbandem nosso comércio, os palestinos sejam todos terroristas
infiltrados, prontos para derrubar e arrasar a precária estabilidade que
conquistamos a duras (ou leves) penas. Hoje vivem no Brasil 7,289 refugiados
reconhecidos, vindos de 81 nacionalidades distintas (veja o artigo de Elben
César: “Eu era estrangeiro e vocês me receberam no Brasil” da revista Ultimato
de setembro-outubro 2015). Na verdade, somos todos forasteiros, imigrantes
orgulhosos de ser donos da terra que tiramos de outros. E tememos, com pavor e
desprezo, que outros façam a nós como os nossos ancestrais fizeram aos que os
antecederam.
Descobrimos que o atual desbandamento de pessoas
tem nuança teo-referente. Muitos dos que estão sendo expulsos mundo fora, pelo
Estado Islâmico, por Alcaida ou outro
grupo impulsionado pelo ódio, o são por serem chamados cristãos (e nesse saco
de gato está qualquer um que não declare ser maometano). Também existe
perseguição étnica—sempre o judeu é persona non grata a quem querem empurrar
para o mar—mas essa perseguição é sobremaneiramente religiosa. Em nome de Alá o
Poderoso, confiscam, tiram os filhos, matam, queimam, estupram as mães (crime
aceito pelo Alcorão desde que cometido contra mulheres não islâmicas) e fuzilam
ou enforcam os que não se curvam a essa fúria.
Estamos tão acostumados à violência em nosso próprio
país que fechamos os olhos para o que acontece com nosso próximo. “Não vamos
nos intrometer. Não é de nossa conta,” dizemos— seja em nosso Brasil onde
morrem milhares todo ano, seja no Oriente Médio, na África, Somália ou
Paquistão. Existe em nosso meio uma “fadiga da compaixão”, ou cansaço em
condoer-se com quem sofre.
Em Filadelfia dos anos oitentas, tive amizade com Hugo
Rosenau e esposa, judeus alemães, ele sobrevivente de Auschwitz, que se
aproximou de mim por causa da língua portuguesa. Depois da libertação, Hugo e
outros amigos, foram conduzidos ao Brasil, à Bahia, onde foram bem-recebidos e
de onde tiveram condições de emigrar para os Estados Unidos. Disse ele que
tinha uma dívida de gratidão aos brasileiros, e daí foi que começou nossa
amizade: um velho beirando oitenta anos e, na casa dos quarenta, um pastor
brasileiro e sua mulher. Ele tinha também tamanha gratidão aos Estados Unidos,
onde ele refez sua vida, que anualmente fazia uma contribuição em dinheiro,
além de pagar seus impostos, “para a nação que nos abrigou depois da guerra”.
Hoje o presidente dessa nação vista anteriormente como cristã fica calado
quanto à perseguição dos cristãos da
Síria, Iraque e Afganistão. E a president(a) do nosso Brasil mostra claros sinais
de apoio aos déspotas islamitas em detrimento dos cristãos que eles perseguem.
Num mundo onde mais de 1,6 bilhões de pessoas
consideram-se muçulmanos, nós que cremos em Cristo estamos rapidamente perdendo
espaço, e vemos a olho nu que o mundo jaz no maligno. Claro que nem todo
islamita é mau, no sentido de maldade
terrível e absoluta, assim como nem todo “judaico-cristão” é bom – somos todos, todo mundo, decaídos,
depravados e desprovidos da glória de Deus, e a não ser que nos convertamos,
tão perdidos quanto Sadam Hussein ou Adolph Hitler (que já encontraram seu
destino). .
Recentemente, compartilhei um comentário de Michael
Horton dizendo que somos todos peregrinos perdoados, a caminho da cidade construída por Deus. Somos
forasteiros e nossa pátria não é aqui –tal entendimento faz com que seguremos
as coisas da terra bem de leve, e fixemos os olhos naquilo que é eterno.
Simultaneamente, amamos a terra em que vivemos, cuidando dela e sempre buscando
cuidar de seus habitantes. Temos prazer em nossa condição de embaixadores de
outro reino a que convidamos nossos iguais a participar. Vivemos em tensão ou
equilíbrio entre nossa condição de redimidos já e agora, ao mesmo tempo que ainda
não vimos o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Não somos
chauvinistas nem xenofóbicos – amamos o próximo e o respeitamos como co-criado
à imagem de Deus, queremos bem a terra em que vivemos, e sofremos com suas
dores e desmazelas—mas nossa pátria não é aqui, e aguardamos uma habitação onde
nosso visto de residente permanente nos transforma em amigos, filhos e
herdeiros com Cristo. As nações mudam, e os povos ora opressores tornam-se
oprimidos quando até mesmo suprimidos. Os cananeus que eram pedra nas sandálias
dos judeus antigos já não existem. A babilônia que dominou o mundo conhecido
por Daniel foi derrubada, e hoje a nação islâmica quer derrubar até suas
antigas ruínas. O império romano não impera mais. As hordas de hunos, godos e
visigodos continuam invadindo a civilização ocidental, e as civilizações
orientais também foram arrasadas e transformadas pela modernidade e pós
modernidade. Para muitos hoje, orgulho nacional é piada. Mas existe algo –
Alguém – que não muda: o Deus Eterno, criador dos céus e das terras.
O profeta Isaías viveu sob os governos de quatro reis
de Judá, dias conturbados que descreveu como hoje poderiam ser descritos os nossos
dias:
Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões. Cada um deles
ama o suborno e corre atrás da recompensa.
Não defendem o direito do órfão, e não chega perto deles a causa das viúvas....
Is 1.23
Ai desta nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade, raça de
malignos, filhos corruptores... Toda a cabeça está doente, e todo o coração
enfermo. Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã, senão feridas,
contusões e chamas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem
amolecidas com óleo. A vossa terra está assolada, as vossas cidades consuidas
pelo fogo... e a terra se acha devastada como numa subversão de estranhos, deixada
como choça na vinha, como palhoça no pepinal, como cidade sitiada... quando
multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias
de sangue. Is 1.4-7
Depois do terrível diagnóstico, o senhor faz um
convite:
Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos
meus olhos, cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem: atendei à justiça,
repreendei ao opressor, defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das
viúvas... ainda que vossos pecado sejam como a escarlata, eles se tornarão
brancos como a neve... se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta
terra... Is 1.16-18
A mAA maior ameaça para o
reino de Judá do ano 724 não era a invasão Assíria, mas o pecado, a
desobediência e falta de fé em Deus. Isaías viu seu povo sofrer a desgraça e
humilhação do cativeiro, e garante que o Deus da história os trará de volta
para que comecem vida nova e desempenhem sua missão de ser uma bênção para
todas as nações da terra. Em meio as promessas de Emanuel e do retorno, Isaías
mostra vislumbres do Rei Eterno que se esvaziaria, tornando-se servo até a
morte -Is 53) para depois restaurar seu reino. Lembra os que voltam do
cativeiro de viver a ética do Reino (“Mantende a justiça e fazei o juizo e
fazer justiça, porque a minha salvação está prestes a vir”- Is 55.1). E a
promessa final é apenas para Judá, nem só para os reinos dos tempos dos
profetas, mas para todos: “Eis que crio novos céus e nova terra... vós
folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio...” Is 65.19 “Eis o tabernáculo
de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus
mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não
existirá...” Ap 21.3-4.
Elizabeth Gomes
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