Talvez um dia necessite dos serviços de um; tenho amigos e amigas advogados, e admiro os que abraçam essa ingrata profissão com cristianismo e autenticidade, mas aqui não falo de jurisprudência, nem mesmo de prudência de juízo. Estou me referindo àquelas coloridas guirlandas de flores tradicionalmente oferecidas pelos habitantes do Havaí aos que chegam de longe: leis. Anos atrás, quando o quinquagésimo Estado dos Estados Unidos foi acrescentado, as leis estavam em alta, assim como foram acrescentados ao nosso vocabulário doces e perfumadas palavras hula e luau. Lembravam as guirlandas que, pouco mais tarde, enfeitariam as cabeças das flower children. E eu, sintonizada ao vocabulário bíblico desde a infância, lembrava de Provérbios: “Não te desamparem a benignidade e a fidelidade; ata-as ao pescoço; escreve-as na tábua do teu coração e acharás graça e boa compreensão diante de Deus e dos homens” (Pv 3.3-4). O presentear das leis e do ensino não seriam apenas oferecidos de maneira graciosa, como também deveria ser lavrado de forma permanente (nas tábuas do coração) para que se encontrasse graça e boa compreensão diante de Deus e dos homens (aquilo que Lucas descreveu como característica do menino Jesus (Lc 2.40).
Aqui, faço trocadilho com a lei de Deus e leis dos homens, e as leis, os colares de flores com que se premiam aqueles que possuem benignidade e fidelidade como modus vivendi. Reflito sobre o que comunicamos ao próximo—aos familiares, aos colegas de labutas e de lazer, de ministério ou magistério ou cemitério, aos irmãos na fé e aos ermanos de fé com quem nos irritamos ou discordamos. A esses, quer os chamemos de primos quer demos toda gama de nomes zombeteiros, simpáticos, antipáticos ou apáticos—acabamos comunicando que nos consideramos melhores do que eles, ou mais inteligentes, ou mais espirituais, ou menos xiitas, ou mais humanizados, ou menos preconceituosos—qualquer coisa mais ou menos). Confesso que no desejo de comunicar com exatidão, eu também tenho a tendência de aplicar rótulos a tudo e todos em vez de oferecer leis de graça e beleza.
Fui criada de maneira legalista, apesar de conviver com pessoas que eram pródigas do amor de Cristo e tiravam a própria camisa para dar a quem carecia de vestes e comida de nossa mesa a quem tinha fome. Meus pais dariam a vida para ver pessoas salvas e seguras em Cristo. Nenhum esforço era poupado. Muitas vezes, vi em casa a atitude do apóstolo Paulo de “me gastarei e ainda me deixarei gastar” em prol das almas, não só dos antigos pastores, missionários, evangelistas e professores, como também imitado por crianças, jovens, mulheres e homens maduros, bem como idosos. Mas, como muitas vezes eu mesmo já fiz e ainda faço, ai de quem me perturba o sono por bobagem, ou incomoda minhas horas de folga ou meu espaço particular! Especialmente quando eles estão errados! Essa questão de rótulos, por exemplo. Tenho por certo que Romanos 12.3 deveria nortear a vida dos filhos de Deus: “... não pense de si mesmo além do que convém, antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um”.
Tive uma educação cristã presbiteriana tradicional
até os doze anos de idade, quando passei com minha família para uma igreja
batista renovada cheia do espírito de incontáveis “usos e costumes” e severas
críticas à “geladeira morta” da qual havíamos saído. Aos treze anos, eu
desejava mais de Cristo, maior espiritualidade, maior poder, e, em Porto Alegre,
lembro-me de ter perguntado a um pastor conferencista como eu poderia ter o dom
de línguas, já que eu lera tudo e dera todos os passos necessários. Ele disse
para eu simplesmente abrir a boca e balbuciar “de início, sons e palavras sem
sentido, mas repeti-las em oração até que o Espírito ponha em sua boca as suas
palavras e você receba o dom”!
Na
mesma época, comecei a frequentar o acampamento Palavra da Vida e buscar um
crescimento espiritual baseado na Palavra de Deus. Em 1965 fui da primeira
turma do Instituto Bíblico Palavra da Vida, onde ainda jovem, aprendi a
examinar e manejar bem as Escrituras, aquecer o coração com evangelismo e
missões, e adquiri uma visão fortemente dispensacionalista da história da
igreja. Indo aos Estados Unidos por um ano e meio, frequentei Southeastern
Bible College que tinha basicamente a mesma posição doutrinária que Palavra da
Vida—mas em
Birmingham, Alabama de 1965-66, fiquei chocada pela maneira
como o preconceito racial e a total falta de amor cristão para com os que “não
são dos nossos” convivia e dominava o “cinturão bíblico”. Voltei ao Brasil e à
escola que deu rumo bíblico à minha fé, ao amor da minha vida que sempre me
pastoreou com visão e entrega, e casando, continuei estudando e me preparando
(e gestando o primeiro filho) enquanto levantávamos sustento e antevíamos um
ministério de ensino e evangelismo.
Os
primeiros anos de missionária eram regados igualmente pelo desejo de mãezinha e
dona de casa, cantando e contando histórias de vida apesar de minha própria
vida ainda ser tão jovem. Estabilidade e mudanças se alternavam; fomos a São
Paulo, passamos a integrar o quadro de missionários da própria escola da qual
nos formamos. Eu assumia os papéis que me eram impostos: esposa de pastor, mãe
de crianças pequenas e muito ativas, sempre disposta a dar aulas, cantar,
falar, servir – trabalhava sem cessar e estava sempre cansada. Enfim, na
trajetória doutrinária, aprendi com meu marido e professor a ver com olhos
reformados e assumi uma cosmovisão que parece vir de encontro aos anseios de
piedade bíblica.
Mas
não comecei este artigo querendo relatar uma biografia pessoal. Comecei
comentando a dádiva de leis-guirlandas,
para então compará-las com o legalismo que atravanca tanto a vida dos cristãos
que conheço. Nós conhecemos a Verdade e esta nos libertou, mas nada disso vem
de nosso mérito—é tudo pela graça, de graça e para o louvor da glória de Jesus.
Podemos ter origens até mesmo farisaicas (como Saulo de Tarso, acusador do
primeiro mártir da era cristã, cf. At 7). Mas não precisamos ter atitudes de quem é dono da verdade—temos
de conduzir-nos como servos, como Cristo, que aturou perguntas tolas e lavou os
pés poeirentos dos discípulos, despindo-se como um escravo. Aquele que se despiu
da glória de sua divindade para assumir carne e osso da humanidade, sem deixar
de ser Deus Conosco, tornou-se Cristo em Vós.
Tenho
amigos gloriosos e impactantes no cenário cristão atual, alguns famosos, embora
nem todos sejam conhecidos e admirados publicamente. Aquela irmã humilde que
ora incessantemente pelos filhos e pelo Reino carrega o mesmo peso de glória
que o querido Billy Graham que pregou a tantos milhares e hoje espera apenas
ser promovido com “muito bem, servo bom e fiel”. O jovem crente que venceu o
maligno e vive em humildade testemunhando em seu local de trabalho e entre amigos,
a ocupada mulher cristã de carreira que cuida sozinha de seus filhos e de seus
pais idosos e ainda sonha com um companheiro, o casal de pastor-mestre e esposa
ajudadora que enfrentam a infertilidade pessoal enquanto diariamente ganhem
pessoas para Cristo, o já-avô-mas-ainda-não-aposentado que vive o “já mas ainda
não” da vida cristã em todos os seus níveis—todos, e cada um de nós, temos uma
leve e momentânea tribulação a enfrentar. Como é que queremos fazer
comparações, designar rótulos, dar notas de mérito ou desmerecimento uns aos outros?
Ora, as coisas que se vêem são temporais—vamos para o que importa: o que é
eterno. Existe apenas uma coisa que deve nos constranger, nos perturbar, nos
diferenciar, enquanto ao mesmo tempo nos iguala: o amor de Cristo (2 Co 5.14).
Tenho
uma amiga de face que oferece flores a cada dia, e hoje, ofereço a cada amigo, leis de flores coloridas e perfumadas.
Não aprovo a incredulidade, ilegalidade e antinomianismo de alguns irmãos que
querem solapar os fundamentos da fé. Mas desejo que o constrangedor amor de
Cristo substitua nossos julgamentos tolos e nossos legalismos para que
edifiquemos e cresçamos o Corpo bem-ajustado e consolidado!
Elizabeth
Gomes
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