sábado, junho 30, 2012

ÉTICA NAS PEQUENAS COMUNICAÇÕES


A quem obedecer: Toth (deus da comunicação do antigo Egito) ou a Bíblia


O Toninho chegava com riso mineiro, ardiloso, e cobrava: “Pastor, você ainda não foi nos visitar na casa nova. Olha, vou desenhar um mapa”. Um pedaço de papel, uma bic, e dois pontos. “Está vendo aqui? É a igreja. Aqui, é minha casa. É só ir daqui ali”.

Parece até profecia para os dias da internet. Dois pontos e um risco, e pretendemos que toda comunicação esteja feita. Quem digita não vê coração nem cara (a não ser no skype que poucos usam), mas imagina uma intimidade que beira a falta de pudor do namoro moderno, entre tapas e beijos. Muitas vezes, a guisa de ortodoxia política religiosa, teclamos ataques e defesas ingênuas ou maliciosas, ou trocamos franqueza por falta de educação, sem levar em contra que a linha entre nosso ponto e o outro, do outro lado do papel, é viva, é frágil. Com efeito, facebook não tem face senão fotos trabalhadas em photoshops seletivos. Pura imagem pública escondendo dores privadas. Pior ainda quando a transparência que deveria ser do coração revela os intestinos. Alguém já disse que a internet ilude quanto ao sentimento de uma intimidade virtual e de uma nudez real.

Jó, Moisés e Pedro, comunicadores cristãos dentre os mais fiéis, hábeis e sensíveis, instaram que levássemos em conta a fragilidade humana. O apóstolo escreveu:

Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obediência à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente, pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente. Pois toda carne é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor; a palavra do Senhor, porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada (1Pedro 1.22-25; ver Jó 42.2 e Salmo 90.5-6).

O mapa da Palavra de Deus serve bem para nos conduzir na pequena comunicação na internet. Não é um mapa de dois pontos virtuais; antes, é o encontro de almas purificadas pelo sangue de Cristo, obedientes à verdade, que visam o amor fraternal, não fingido, de coração, ardente, regenerado mediante a palavra de Deus que permanece para sempre. Especialmente, temos de considerar que mídia social e coisas tais são bem superficiais e passageiras, mas cujas consequências podem ser mais extensas e duradouras.

O apóstolo Paulo fornece um bom resumo, em Efésios 4.25-32:

1. “Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo, porque somos membros uns dos outros” (v. 25). Frágeis, como somos, é fácil que não falemos a verdade ou, pelo menos, não toda a verdade. E pecadores como somos, até mesmo falando a verdade podemos ser maledicentes, esquecidos de que o amor cobre multidões de pecados (cf. 1Pedro 4.8). À primeira vista, parece que a solução está em simplesmente deixar a mentira e falar a verdade. No entanto, quem já tentou deletar, sabe como a mentira está arraigada no coração e quanto custa teclar a verdade. Se, porém entendermos que os dois termos, “deixar” e “falar”, são parte da proposta, e que a maneira de fazê-lo está na última parte do versículo – “somos membros uns dos outros” –, então, apreenderemos o sentido correto. Se os membros do nosso corpo mentirem uns aos outros, a verdade nos será por juiz e condenação. Mas, se, por outro lado, pertencermos uns aos outros, a mentira não terá sentido e prevalecerá a verdade – como também disse Paulo, a “verdade em amor” (Efésios 4.15).

2. “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo” (v. 26, 27). A ira, em si mesma, não é sempre um pecado. Antes, ela é decorrente da verdade, como atributo de Deus (Romanos 1.18). A ira é um sentimento adequado em face da injustiça, assim como a dor que previne a pessoa de ultrapassar seu limiar de resistência. Entretanto, será pecaminosa quando, em vez de ser dirigida contra o objeto do pecado, a ira explodir contra outros ou se tornar em amargura que implode o coração. De qualquer modo, ambos os movimentos acabarão contaminando a outros (Hebreus 142.14, 15). Não quer dizer que a injustiça deverá ser posta de lado, mas, antes, que terá de ser tratada logo, mas sem dar lugar ao diabo. A maneira como atuamos terá de ser concorde com a justiça que pretendemos. Assim, será preciso lembrar que a justiça nas mãos da ira mal usada serve de arma de injustiça. Lembre-se de que corrigir com brandura e em privado produz o efeito da graça: abranda o furor e convence o coração.

3. “Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado” (v. 28). Hoje em dia, furto é uma palavra vaga, quase uma necessidade no embate entre os ladrões de venda nos olhos e os ladrões de vendas do mercado e da política. Somos, muitas vezes, religiosos que promulgam a lei da carne e furtam a graça divina, com dois pesos e duas medidas. Que será? Seremos aqueles que professam que “não pode beber, não pode dançar e não pode pagar dívida”? Nós não pensamos que envergonhar alguém em público seja pela maledicência seja pela exposição do erro, configura furto da honra, assassinato de caráter.  Se eu erro no blog, “me desculpem”, mas se outros erram, eu acho o endereço da postagem ainda que seja do século passado? O segredo da mudança, aqui, é claro: trabalho para se sustentar e generosidade para com quem tem necessidade. Sequer posso me furtar a apresentar o melhor possível nas minhas postagens e ajudar ao outro a melhorar e progredir nas suas colocações.

Depois de apor as três ideias, Paulo conclui, dizendo que toda comunicação deve “transmitir graça aos que ouvem” (v. 29), evitando a palavra torpe, isto é, torcida, que não edifica. Nossas conversas que não produzirem graça certamente entristecerão o Espírito que nos sela para a redenção (v. 30). “Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assim toda malícia. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou” (v. 31, 32).

Wadislau Martins Gomes

terça-feira, junho 05, 2012

NOSSAS LINDAS CRIANÇAS 2


Ela começou a faltar logo nas primeiras reuniões nas casas para iniciar o que viria a ser a Igreja Presbiteriana Paulistana. De vez em quando aparecia, mas deixava o filho em casa com a ajudante. Tinha “dificuldades porque o filhinho pequeno podia atrapalhar os cultos”. Disse-lhe que trouxesse o filho, “que ele não atrapalhava, e o as distrações ou barulho diminuiriam à medida que amadurecesse,” – era importante que trouxesse o filho. Hoje, a IPP está cheia de crianças que participam do culto com os jovens, adultos e idosos. Tem aquele menino (ainda criança sapeca, mas muito bem educado) que faz perguntas e comentários de quem ama Jesus e vai seguir o seu caminho por toda a vida.

Houve um pastor de grande cultura e preparo que, quando terminava seu doutorado, assumiu uma classe da escola bíblica dos meninos de cinco anos. Foi um marco na vida – e na vida da petizada. Ao contrário da (falta de) visão de igrejas que designam apenas gente despreparada para ensinar a turminha, deveríamos dar às crianças os melhores teólogos e mestres. Conheço bem esse lado – entediada com a minha classe de adolescentes, comecei a dar aulas para crianças aos treze anos. Era fácil: lia a lição em casa, trazia alguma novidade visual, cantava uns corinhos – e dava massinha ou lápis de cor para as atividades de “trabalhos manuais”. Como muitas colegas, fugi do ensino bíblico na igreja porque desenvolvia um “ministério” infantil. Ah! outro detalhe – são poucos os homens que se dispõem a ser professores de crianças – quando mais elas precisam dos modelos vivos de homens e mulheres que amem ao Senhor e sirvam à igreja em amor às crianças.

Quem chega à IPP estranha que não oferecermos uma escola dominical. Não somos contra aulas bíblicas para grupos menores e damos acompanhamento, sensíveis ao nível intelectual e espiritual das diversas idades. Durante a semana, os crentes se reúnem nas casas para estudo bíblico e oração. Consideramos que os pais devem dar o treinamento religioso aos seus filhos, orando com eles desde pequeninos, lendo e ensinando-lhes a Bíblia e a vida cristã dela derivada. Mas o cerne do culto de domingo é adoração a Deus e a pregação da sua Palavra. Dele participam todos – desde a anciã de noventa anos até o pequerrucho de seis meses que vai com seus pais desde (antes) que nasceu. E para que as crianças saibam a importância de aprender da Palavra de Deus, os pastores têm uma mensagem especialmente dirigida a elas antes da mensagem, às vezes longa, do dia. As crianças participam do culto, louvando a Deus, ouvindo a leitura bíblica e as orações, sendo que as menores, que ainda não sabem ler, saem, depois, para atividades especiais. Até os que ainda não entendem o que se passa, recebem duas coisas: 1) que conhecer a Deus e ao seu amor é muito bom, e 2) que elas são amadas por esse grande Deus, como também queridas por toda essa gente grande que as cerca de carinho. É gratificante ver quinze a vinte crianças pequenas sentadas no chão à frente da igreja, participando do culto (às vezes, com tiradas a alto som!) e aprendendo que são importantes para Jesus e que ele é de suma importância para elas. Tem ainda o detalhe das crianças maiores, que já não sentam no círculo dos pequeninos de chão, mas participam da tarefa de conhecer melhor a Palavra de Deus a cada dia. Adolescentes e pré-adolescentes participantes do culto! O sermão “infantil” é sempre introdução e aplicação prática do sermão “de adultos”. Tem gente grande que presta tanta atenção quanto seus filhotes, pois o pastor consegue fazer e dizer coisas que transcendem as barreiras da idade. É engraçado observar os quatro ou cinco carrinhos de bebê à frente para essa pregação. Um garotinho de seis meses é animado e ativo, mas não dá um pio durante a mini-mensagem! Há uns dois simpáticos que sempre têm uma nota cômica.

Quando no seminário, participamos do curso da APEC (Aliança Pró-Evangelização de Crianças); todos tivemos de aprender a lidar e ensinar às importantes crianças (pois dos tais é o Reino de Deus, Mc 10.14,15). Nosso filho aprendeu, aos três anos, que “Mesmo um menino pode crer na redenção de Deus”. Essas aulas nos deram base para o ensino bíblico, não apenas com as crianças, mas com toda faixa etária. Já usei dicas de aulas para crianças com esposas de pastores e até no ministério a pessoas idosas!

Durante anos, sempre que Wadislau era convidado a pregar em alguma igreja, eu me envolvia com as mulheres e crianças, promovendo classes bíblicas, escolas bíblicas de férias. Não creio que haja algo como “cultinho infantil”. Culto, por difinição, não é diminutivo, e a criança deve aprender isso. O culto é prestado pela igreja formada de todas as idades, pessoas e famílias – e as crianças devem tomar gosto pelo culto público.

Eu costumava dar aulas de treinamento de professores para a APEC, principalmente de “psicologia da criança”. Amo as oportunidades de desenvolver criatividade (ao mesmo tempo em que a observo) que se abrem no trabalho com crianças e com professores de crianças. Tenho amigos queridos que atuam há anos em ministérios voltados ao trabalho com a infância, a começar com Satie Julia Mita, colega desde a Palavra da Vida, e o diretor internacional, Vacilios Constantinides, com sua esposa.

Hoje, não tenho atuado mais nessa área. Não tenho mais a energia dos vinte anos. Meus ossos são relutantes em seguir o canto: “Eu pulo num só pé... mas vou mantendo sempre o equilíbrio”. Assumo papel de avó que dá colo, carinho e apreço. Envolvimento existe, atuo na oração pela geração dos pequenos que virão a ser homens e mulheres de Deus. Assim como Jesus acolheu os pequeninos, nós os acolhemos. Do modo como ele orou pelos seus futuros discípulos, intercedemos pelos que os seguirão depois de nós. Van Til, quando indagado sobre sua motivação para a apologética, respondeu: “Defender os cordeirinhos do Senhor”. Nós que não somos nem grandes teólogos nem pastores, também participamos da grande, imprescindível tarefa de cuidar dos cordeirinhos.

Nossas lindas crianças são o sonho presente do futuro de igreja sadia, atuante. Se nossa igreja cresce também por explosão populacional – pois temos muitos casais jovens iniciando suas famílias – temos de lembrar que estamos crescendo por explosão conversional – “para converter o coração dos pais aos filhos, converter os desobedientes à prudência dos justos e habilitar para o Senhor um povo preparado” (Lc 1.17) e “estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma” (1Pe 2.25).

Elizabeth Gomes

Veja o pastor Wadislau falando com as crianças