segunda-feira, outubro 29, 2012

O CRISTÃO, O FACEBOOK E O FAKEBOOK

Curtir     Comentar     Compartilhar     Beijar o sapo     Abraçar o jacaré
 

Facebook é como telefone sem fio. Para os recém vividos, não é o sem fio antigo nem o celular; é uma brincadeira do tempo que as festas eram animadas numa roda em que alguém cochichava um status no ouvido próximo e ele era compartilhado com o seguinte, até voltar à origem. Dava um bué! Saia coisa como “salada de mamão macho” e voltava como “sai de baixo que vem a mão”. No Facebook, cada um lê quando e como quer. Outro dia, alguém me perguntou quando é que eu viajaria, a que de pronto respondi: “amanhã, às 8”. A mensagem era de uns dias antes e já havia outra na linha: “Bom dia, dr. Tudo bem?” Ainda bem que o cara tinha cérebro.

Você abre a página principal e vê um monte de coisas que a pessoa “está pensando”: mesas postas, pratos feitos, árvores, eventos, dentros, foras, saudações gerais, tratativas pessoais de cunho delicado tal como “o que você está fazendo?” Nem me pergunte! Outros mandam notícias, fotos, citações, altos pensamentos, risos, choros, mesas postas, pratos feitos, árvores, eventos, dentros, foras, saudações gerais, e a gente curte; as de interesse pessoal, compartilha.

Entre tapa e beijos, eu gosto do Facebook. Demorei para entrar, mas dou uma boiada para não sair. O Facebook é bom por uma centena de comentários, mas, aqui, vão dois: um, revela a pessoa como ela é e, dois, revela a pessoa como ela é. A diferença é que um é o Facebook e o outro é o fakebook. O fakebook não esconde a espinha inflamada da foto nem da alma. Facebook é superficial e profundo; fakebook é superficial e chato. Adaptando o que disse o meu filho Davi, Facebook é intimidade aparente e fakebook é nudez real.

De fato, facebook é um instrumento de comunicação que permite de oi e oba até boi e boba. Tem gente que envia graça até que com certa graça, tem gente que faz graça, e tem quem curta e compartilhe desgraça. Vai lá! Não gostou, é só deletar o feião. O problema é o que fazer com amigos amigos. Amizade não se faz num dia nem se apaga num clique; assim, o negócio é separar as coisas em categorias: sala, cozinha e banheiro.

Noutras palavras, há papo que é público, outro que é reservado e outro que é privado. A coisa toda está à mostra e deve ser tratada com inteligência, arte e bons afetos. Inteligência, bem... Já arte tem um lado inteligente e outro de bom gosto, e essas não são opcionais. Tudo que dizemos e exibimos, além de expor quem somos, porta um tanto de responsabilidade quanto ao Senhor a quem amamos e servimos e ao próximo a quem deveríamos amar e servir no Senhor. Como disse o Paulo da Bíblia em um lugar: “pouco se me dá de ser julgado por vós (...) nem eu tampouco julgo a mim mesmo (...) quem me julga é o Senhor (1Coríntios 4.3-4) e, em outro: “que ninguém se preocupe comigo mais do que em mim vê ou de mim ouve” (2Co 12.6). E essa é a chave: na sala, estamos à vista e sem cochichos; na cozinha, ensaiamos um dedo de cafezinho com cuidado e fala mansa porque a porta tem ouvidos; no lugar de lavar o rosto e escovar os dentes, aí é melhor fechar a porta e ligar um mata som – não podemos expor as vergonhas.

Na sala, o bom tom manda que não cobremos, acusemos ou corrijamos as pessoas. Além do lugar comum da frase “errar é humano”, tem aquele risco de aparecer nosso próprio erro, no mínimo, de falta de educação. Se a pessoa for amiga, deixa pra lá porque “o amor cobre multidão de pecados” (1Pedro 4.8), e, se for amigo mesmo, também, porque “O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos” (Provérbios 17.9).

Tem disso e tem daquilo, mas na sala, cruze as pernas com elegância, não sacuda os braços nem lance perdigotos juntamente com as palavras. Na cozinha, a conversa é mais íntima, reservada. Se for você quem estiver lá, exponha o coração, mas não os intestinos; dobradinha e buchada ficam bem na panela. Se outros estiverem lá, lembre-se de que sapo de fora não chia nem se intromete nem critica senão vira perereca venenosa. Espere o chamado do tanoeiro ou do cururu ou do sapo boi. Se for colhido de surpresa, finja que está no pântano, dê um coaxado, uma limpada de garganta, uma tossidinha e vê se dá para filar um bolinho de chuva. No banheiro, ah! você acha que eu preciso disso? Não quero ver ninguém lá, nem rusga de casal nem iras nem náuseas.

Vamos lá, pessoal! É divertido – até que alguém bote aquela foto ou aquele comentário. Aí, jacaré tem boca maior do que a do sapo. Tem não, gente; o jacaré é manso.

Wadislau Martins Gomes

sexta-feira, outubro 26, 2012

MISSÃO DE DEUS OU "FAZER" MISSÕES?


Nasci em família cristã e vim ao Brasil aos quatro meses de idade com meus pais. Sempre nos foi transmitida a idéia de que éramos “missionários” porque saíramos de nossa terra e viéramos a outro país realizar a obra de evangelização e plantação de igrejas. Meus pais labutaram dezessete anos no Brasil, ligados ao Board of Foreign Missions da Southern Presbyterian Church e afiliados ao West Brazil Mission. Nosso primeiro lar foi em Patrocínio, MG, onde fui batizada ainda pequenina. Meus pais aprenderam a língua portuguesa e eu aprendi a falar na língua deles bem como na língua dos “objetos do seu esforço”. Após “dominar” a língua, meu pai foi designado para o pastoreio em Monte Carmelo, Minas, e minha mãe atuava como educadora cristã, enfermeira, parteira, organista ou acordeonista, dependendo de o culto ser dentro da igreja ou algum outro lugar, para onde o acordeão era facilmente transportado. Eu acompanhava meus pais para todo lado e sentia-me privilegiada por ser missionária com eles.

Com quatro anos de idade, sob forte convicção de pecado, percebi que nunca aceitara pessoalmente a Jesus como meu Salvador, e orei com minha mãe para receber Jesus no coração.  Meus pais liam a Bíblia comigo e, depois que aprendi a ler, orgulhava-me de fazê-lo sozinha, orar e cantar hinos e corinhos – e evangelizar outras crianças vizinhas. Um hino que aprendi cedo foi “Mesmo um menino pode crer na salvação de Deus” (Cânticos de Salvação para Crianças, APEC) e também cria fielmente na letra de outro: “Posso se um missionariozinho ao falar de Cristo ao meu companheirinho; posso trabalhar em minha terra; manda-me pois Senhor”.

 A ideia que eu imitava e compartilhava com meus pais e com outros crentes – tanto missionários quanto “objetos”[1] da missão, era que seríamos missionários por haver saído de uma terra de origem para pregar a outro povo – e assim, éramos um pouco mais importantes (e mais dedicados!) no reino de Deus do que os crentes comuns. Isso trazia também mais responsabilidades: eu tinha de ter um melhor comportamento que o de meus amiguinhos, ser exemplo de crente e sempre agir como “filha do Rei” (ou filha de missionário).

Depois de um ano de férias nos Estados Unidos, onde de certa forma éramos “celebridades” – pelo menos entre as igrejas que participavam de nosso sustento – voltamos ao Brasil, desta vez para Goiânia. Ao pastorado papai acrescentou a atividade de programa de rádio, e minha mãe nos ensaiava (minha irmã e eu) para cantarmos duetos na rádio – críamos piamente que nós mesmas estávamos evangelizando através da música. Jamais admitimos (a nós ou aos outros) nosso orgulho exibicionista (eu sou filha do Rei… herdeira com Cristo, sim, sou filha do Rei, uai! É bom demais da conta!) porque estávamos proclamando o evangelho.

Aos onze anos viajei com uma família da missão Novas Tribos para o norte de Goiás (hoje Tocantins) onde atuavam como missionários entre os índios. Fiquei empolgada com seu trabalho. Um ano depois, em uma conferência de um avivalista em Goiânia, fui à frente atendendo o chamado de Jesus, decidindo que serviria ao Senhor onde quer que ele mandasse. Na época, estava fascinada pelo evangelismo de judeus e até me correspondi com diversos missionários (adultos) para aprender mais sobre esse trabalho. Missões, até então, era um trabalho que dependia da nossa decisão e realização!

Meus pais deixaram a missão presbiteriana e se tornaram batistas independentes, e nessa ocasião eu os acompanhei “às águas”. A igreja a que nos filiamos era avivada e zelosamente legalista. Passei a ensinar na escola dominical para uma classe de meninas de oito anos. Sentia-me realizada como missionária mirim que se achava grande coisa para Jesus.

Muitas pessoas foram influenciadas por meus pais. Em 1984 – apesar de ele haver se afastado do ministério desde 1965 e abandonado minha mãe, bem como suas filhas, desde o meu casamento em dezembro de 1966 –  diversos “frutos de seu antigo ministério” agora atuantes líderes nas igrejas pelo Brasil afora, pela graça de Deus estavam presentes no sepultamento do papai.

Juntamente com meu marido e outros nove alunos, fui da primeira turma do Instituto Bíblico Palavra da Vida, preparando-me para missões. Continuava com a visão missionária de “ir” – sair de uma terra para um lugar distante a fim de compartilhar as boas novas – como fez Carrey, o primeiro missionário da era moderna.

Ali, começamos a aprender que o imperativo de Mateus 28.29-30 não era um de ir, mas de fazer discípulos onde quer que estivéssemos indo. Respirávamos missões desde o acordar até o dormir – e muitas vezes sonhamos com algum lugar distante onde serviríamos com abnegação ao Senhor da Seara.

Quando nos casamos, tínhamos em mente que seria em algum canto obscuro entre índios, mas começamos a nos empolgar também pelo evangelismo de judeus e, em janeiro de 1969, logo após a ordenação do Wadislau, fomos para Belo Horizonte como os primeiros missionários da Missão Brasileira Messiânica. Nosso filho Davi, “pequeno missionário” (com um ano e três meses!) nos acompanhava nas idas para “levantamento de fundos” e pregação da palavra.

Os anos foram passando, e alguns conceitos foram mudando. O evangelho de Jesus Cristo conforme ensinado no Antigo e no Novo Testamento, não muda – mas nosso conceito de missões foi se expandindo e sendo burilado pelo Espírito Santo. Hoje entendemos que não somos nós que “fazemos missões” – a missão é de Deus – parte de Deus e não de nossas obras, e é realizada por ele. Missão é um termo de propósito ou alvo em longo prazo que será atingido mediante objetivos próximos e ações planejadas. Dentro dessa missão tão ampla, há espaço para missões subordinadas, no sentido de tarefas específicas designadas por uma pessoa ou grupo de pessoas, que serão realizadas como passos em direção à missão mais ampla. Mas temos uma abordagem missiológica de toda a Bíblia, porque a missão é de Deus e ele fala através de sua Palavra, ensinando “o propósito pelo qual a Bíblia existe, o Deus que a Bíblia nos entrega, o povo cuja identidade e missão a Bíblia nos convida a compartilhar, a história que a Bíblia conta sobre Deus e sobre esse povo, bem como sobre o mundo inteiro e seu futuro, que abrange passado, presente e futuro, a vida, o universo e todas as coisas…”[2]

Estamos aprendendo missões na palavra de Deus. Lemos a Bíblia de forma missional, como matriz hermenêutica para nosso entendimento da Escritura e do mundo. Enquanto cumprimos a missão de Deus no mundo de fazer convergir nele (Jesus Cristo, Deus encarnado – Ef 1.10) todas as coisas, para a sua glória, ele faz em nós tanto o querer quanto o realizar.[3]

Não tenho a profissão de missionária; sou professora de inglês ainda que hoje não a exerça; sou tradutora de livros, comunicadora e escritora. Minha função primária é de ajudadora de meu marido e apoio para filhos, noras, netos e quem porventura chegar a nossa casa.

Tenho funções polivalentes, como um canivete suíço, mutáveis e sempre em transição, com a meta de amar, obedecer e servir a Deus em casa ou por onde passar até os confins da terra. Sou enviada a cumprir a missão de Deus, pois desejo proclamar o evangelho da missão de Deus em palavra e vida. Sou uma missionária fracassada, pois não tenho grandes feitos em meu currículo – mas sirvo a um grande Deus de visão missional – e continuarei nisso até que ele me leve à sua presença total nas bodas do Cordeiro.

Aqui na terra, aprendo a cada dia com obreiros que servem às crianças, aos atletas, aos idosos, aos jovens, aos hospitalizados, aos indígenas, aos universitários, aos judeus, aos pescadores e a toda espécie de pecadores – aprendendo cada dia a conhecer melhor a Jesus, o poder da sua ressurreição e a comunhão de seus sofrimentos (Fp 3.10). Não existe vida melhor que essa! Não existe outra missão senão essa – glorificar a Deus e gozá-lo para sempre[4].

Elizabeth Gomes



[1] Essa idéia de “objeto” ou “alvo” estava sempre implícita nessa “bulls’-eye theology” (centro do alvo) adotada por missionários, obreiros e “crentes comuns.”
[2] Wright, Christopher, The Mission of God, Downers Grove: InterVarsity, 2012, p. 23
[3] Ibid, p.32
[4] Primeira resposta do Catecismo de Westminster
 

terça-feira, outubro 16, 2012

UMA DO "SEU" GARCINDO


Lá na pequena Bocaina, os quase setenta anos do seu Garcindo fazem gosto. Bole na horta, inspeciona a cozinha da dona Déia, paga um tempo no quarto munido de óculos e Bíblia, larga o corpo na cadeira de preguiça do alpendre e vê passarem os amigos e a semana. Aqui e ali, um dedo de prosa com o seu Amâncio, vizinho da esquerda que havia se convertido, com o da direita que ainda reluta um pouco, ou com um e outro conhecido. Mudança, muito pouca. Mas a espera do sábado com promessa de domingo enche-lhe a alma e os dias. Sábado tem filhos e netos chegando, reunião de famílias amigas “para falar de Cristo” e, domingo, a igreja.

Seu Garcindo conheceu a fé ainda moço na fazenda onde ouviu um pregador falar de “Jesus Cristo, do povo de Deus, e de mim”. Vida simples, devoção profunda, muito gosto de orar com e por dona Déia, de orarem juntos pelas famílias já saídas de casa, e pelo pastor e “irmãos da igreja”. Um evangelho simples, entendido e obedecido em oração.

Outro dia, vieram uns moços de igreja da Capital para passar o fim de semana. Encheram as casas dos crentes com histórias e risos parecendo assuada de passarinhos. Tinha de tudo, pardal, andorinha, sanhaço, beija-flor, corruira... e também falavam de tudo, de folha de alface e quirera até painço e farinha de minhoca. Em igrejês, havia um tal de louvor diferente, umas coisas de célula, oração de poder, estratégia de crescimento de igreja – “tudo muito longe do meu bico”. Umas aves mais sofisticadas falavam de neoisso, neoaquilo, quem era mais penado, mais colorido, mais bicudo...

Seu Garcindo ficou a semana inteira com a visita enroscada na cabeça “que nem colerinha no visgo”. Eram os trilados que a passarada usava para cantar na mesma língua, “bem afinados, mas muito novidadeiros”, as críticas dos urubus aos gorjeios dos curiós, os eu acho e eu preciso que era mais para ter o que ciscar do que para comer.

Enquanto regava o canteiro, arrancava uns matinhos e juntava mais terra ao pé da planta, seu Garcindo dava tratos à bola, digeria uns pensamentos e dava lá suas tiradas com os próprios botões. Na sexta-feira, depois das orações, ele disse à dona Déia:

— Sabe, mulher, não sei se vou conseguir ser crente do jeito que os crentes da Capital falaram; já devo estar velho pra isso. Pensei, meditei, e cheguei a umas coisinhas.

— Que coisinhas?

— Ah! concluí que vou ficar com o que tenho, arrancar o que não presta, e crescer naquilo que ainda não tenho.

— Como assim?

— Bom, é melhor chorar com o que deve ser chorado do que rir a toa e fazer graça para parecer alegre; é melhor ter fome do reino de Deus do que ciscar na terra da insatisfação.

— Explica, meu velho.

— Por exemplo: quero ter humildade para saber o meu lugar no reino de Deus, mansidão para não querer controlar as coisas, misericórdia para entender os problemas dos outros, limpeza de coração para ver o que Deus está fazendo, e paz do nosso Senhor para viver com todos.

— Mas será que não vão dizer que você não é bom crente?

 Wadislau Martins Gomes

segunda-feira, outubro 15, 2012

MISSÃO DE MÃE?!



A expressão mulher cristã requer um entendimento de que é coisa imprescindível que todos os aspectos da vida sejam vividos diante de Deus. Assim, tenho me alegrado e me condoído, questionado, estudado, sofrido, e compartilhado as condições de mulheres dentro e fora da igreja de Cristo. Sempre estive envolvida no trabalho feminino das igrejas. Nossa igreja nascente ainda está firmando os passos doutrinários éticos para estruturar trabalhos da infância, adolescência, mocidade, mulheres ou dos homens. Temos pessoas de todas as idades em nossa congregação – homens, mulheres, crianças e jovens vão se convertendo dia a dia e se firmando na fé, aos poucos firmando compromisso com a igreja em obediência e amor ao Senhor da mesma. Nossos pastores demonstram amor aos pequeninos e aos grandes, procurando preparar a todos – solteiros ou casados, para participar da família da fé. Grupos se reúnem nos lares para instrução, comunhão, adoração e serviço a fim de trazer os indivíduos à maturidade no corpo de Cristo.

Estudando sobre o que significa estarmos “arraigados e alicerçados” em Cristo, uma coisa que ficou clara é que temos de entender e cumprir as razões bíblicas para cada atividade. Para isso, estamos estudando os dons espirituais e descobrindo qual nosso dom e como desempenhá-lo. A Bíblia tem diretrizes muito nítidas para o ministério feminino, especialmente nos escritos de Pedro e de Paulo no Novo Testamento. Pedro era casado, e em seu ministério (como a maioria dos apóstolos) fazia-se acompanhado de sua esposa (1Co 9.5) – daí sua sabedoria ao falar sobre os relacionamentos decorrentes da conversão: “Estáveis desgarrados como ovelhas; agora porém vos convertestes ao Pastor e Bispo de vossa alma (1Pe 2.25). Mulheres, sede vós a igualmente submissas...para que se ele ainda não obedece a palavra, seja ganho sem palavra alguma...(1Pe 3.1); Maridos, vós igualmente vivei a vida comum do lar com discernimento e consideração...” (1Pe 3.7).

Paulo, talvez, seria solteiro, ou viúvo, mas pelo mesmo Espírito Santo escreveu também com grande sensibilidade sobre os relacionamentos no lar e fora dele como a relação entre Cristo e sua igreja: “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” (em seguida ele exemplifica com as esposas) “As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor (...) Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela... Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama” (Ef 5. 22,25, 28). O relacionamento entre os cônjuges é primordial e protótipo para os demais relacionamentos na igreja. Assim, para viver plenamente nossa feminilidade, após aprimorar nosso relacionamento com Deus (Mt 5.33), o primeiro aspecto a considerar será nosso relacionamento com o marido e com as outras pessoas que fazem parte da igreja. Queremos ser mulheres que auxiliem a igreja – de Gênesis até o Apocalipse, a função feminina é de auxiliadora idônea (far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea, adjutora que esteja como diante dele – Gn 2.18).

Nem todas as mulheres são casadas – aliás, ser mulher cristã inclui desde as meninas e moças a viúvas e mulheres que estão sozinhas por escolha ou pelas vicissitudes da vida – e nossa identidade como mulheres está em participar do corpo e noiva de Cristo – não em nosso relacionamento com homem algum. Vemos em Jesus Cristo que a pessoa solteira é inteira e íntegra – jamais identificada pelas pessoas a quem está ligada, mas pela Pessoa do Deus Conosco. Em todos os casos, nossa função, tanto na igreja quanto na vida familiar, é a de ajudar – e nossas ações devem sempre levar isso em conta. Daí a importância de qualquer atividade que tivermos não ser exclusivista, e sim, proativamente inclusiva. Na vida atarefada de hoje, temos pouco tempo livre e esse não deve ser dedicado a atividades em que nos afastemos da família, dos filhos, uns dos outros. Existem, sim, aspectos e interesses diferentes para homens e para mulheres – não alvos diferentes, mas perspectivas múltiplas e singulares que requerem comunhão diferenciada.

Uma igreja irmã resolveu essa questão fazendo as reuniões das mulheres e as dos homens simultaneamente – no caso dela, em casas próximas uma da outra, com temas de estudo interligados, com as perspectivas femininas vistas no estudo bíblico das mulheres e os de problemas e soluções dos homens a questões ligadas a sua condição masculina. A família sai juntos para o estudo bíblico e se divide para intensificar e praticar seu entendimento dos aspectos particulares a cada um. Interessante que um menino de uns nove anos tenha comentado para a avó: “Estou estudando o trecho para a reunião dos homens que vamos ter hoje à noite”. As crianças também são incluídas – valorizadas como participantes desse aprendizado.

Quando Paulo iniciou seus conselhos distintos para homens e mulheres, começou dizendo aos homens “Quero que os varões orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e animosidade” (1Tm 2.8). Muitas pessoas acham que a oração é atividade típica das mulheres – e temos visto na história da igreja que mulheres que oram têm visto grandes transformações. Mas Paulo enfatiza a necessidade dos homens se envolverem em oração, levantando mãos (os instrumentos de seu labor e labuta) santas, sem animosidade! Uma típica atitude ostensivamente masculina não poderá ser contraposta com descaso, ressentimento ou competição, mas terá de ser amparada pelo espírito manso e tranquilo que Deus requer de homens e de mulheres!

Logo após, Paulo dá alguns conselhos às mulheres que, de início, poderão parecer sexistas: “as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas). A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio” (1Tm 2.9-12). Por que é que ele começa este assunto falando de traje exterior? Não parece superficial? Por que enfatiza para as mulheres a recomendação de modéstia e bom senso, e vestes de boas obras e piedade? E como é que ele ordena que aprendamos em silêncio e não exerçamos autoridade ou ensinemos o marido na presença de outras pessoas?

Como mulheres do Século 21, temos a tendência de ser mestras – não aprendizes – ruidosas e autoritárias! Uma reflexão timoteana nos dará novas perspectivas sobre nosso ser e nosso fazer. Depois de nos “contrariar”, o apóstolo acrescenta que a mulher “será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer em fé, e amor, e santificação, com bom senso” (1Tm 2.15).

Hoje em dia as mulheres querem fazer nome por meio da autorrealização – não por sua “missão de mãe”— mas Cristo quer fazer de nós pessoas que cumpram a missão materna, quer tenhamos filhos de barriga quer os tenhamos do “Espírito,” como exemplos de doadoras de vida ou até sendo mentoras e instrutoras. Missão de mãe não é uma de ficar na cozinha, grávida, pilotando fogão. É gerar vida, parir vida como na figura de Paulo: “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós” (Gl 4.19). Toda mulher cristã em submissão a Cristo possui essa missão de mãe! Ah! irmãs amadas, mães, sem filhos, que os perderam, que os tem pequenos e talvez temam não saber educar: Deus nos dá uma missão preciosa e pródiga! aos presbíteros e em seguida aos diáconos, Paulo enfatiza que “da mesma sorte, quanto a mulheres (...) sejam respeitáveis, não maldizentes, temperantes e fiéis em tudo” (1Tm 3.11).

Em outro artigo quero delinear algumas estratégias práticas que nós mulheres podemos realizar, mas hoje fica a pergunta: o que quero ser como mulher cristã? Temos de entender quem somos e para que fomos criadas. Somente depois de entender o que seja refletir a glória de Deus como mulheres, poderemos começar a desempenhar alguns aspectos especiais de nosso trabalho, que não será em vão. Rebecca Jones lembra: “É somente o amor de Jesus, o amor do único perfeito e santo homem, que pode nos ensinar quem são verdadeiramente as mulheres. Ele nos compreende e nos ama melhor que ninguém. Deus criou as mulheres à sua imagem, e, enquanto as redime e renova, Jesus Cristo as recria à sua imagem”.[1]

Elizabeth Gomes



[1] JONES, Rebecca, A Mulher segundo a Bíblia, p. 100.

sexta-feira, outubro 05, 2012

COMUNICAÇÃO TRIVIAL OU PERENE?


 

Depois de ler um livro impactante que me faz pensar dez vezes antes de emitir um parecer, e lembrando as inúmeras vezes em que “morri pela boca” ao dizer a coisa errada em hora imprópria a pessoas amadas, estive navegando no facebook e observando as diferenças no que as pessoas postam. Algumas usam o “face” para emitir suas idéias políticas ou censurar a banalização que ocorre em plano geral. Outras o aproveitam como oportunidade para contar suas novidades na cozinha e mesa ou dicas de moda e design. Alguns pastores e estudiosos escrevem para convencer os outros que suas idéias são as melhores, as únicas bíblicas, academicamente sensatas ou teologicamente corretas. Mães e avós recentes compartilham as fofuras de seus rebentos, e pais orgulhosos os prêmios atléticos ou acadêmicos de seus filhos. Algumas pessoas colecionam dizeres e fotos “bonitinhos”, “agradáveis”, angariando pontos para as fãs clicarem o “curtir”.

Confesso que “entrei” no facebook para encontrar amigos(as) e compartilhar idéias, visando especialmente oportunidade de tornar conhecidos nosso ministério e nossos livros. Descobri que essa comunicação é efetiva, rápida, de longo alcance – e super-superficial! Amigos, achei muitos, até quem antes não tinha grande amizade, e algumas grandes amigas de há muito perdidas.

Confesso que dou o “curtir” até mesmo doce apetitoso ou sugestão de sapato confortável e que não custe uma fortuna, ou dicas de onde arrumar livros gratuitos ou passagens mais econômicas. “Curto” todas as fotos de bebês e crianças de amigos, filhos, sobrinhos ou netos, e geralmente “curto” fotos de bichinhos de estimação – embora eu mesma não queira mais tê-los em casa. Descubro mudanças de profissão em algumas amigas: de médica para empresária, de enfermeira para fotógrafa; de aeromoça para psicóloga de agente de viagens para missionária; de dentista para advogada; e um ex-pastor agora é dono de pousada.

Porém, se quero que minha comunicação virtual tenha repercussão eterna, tenho de me concentrar no foco e olhar para Jesus (Hb 12.2). Parodiando o título de um livro genial publicado por um amigo (O que Jesus beberia?) – o que Jesus diria nas redes sociais? Com certeza ele não descartaria as comunicações que as pessoas fazem sobre o que comem ou bebem (ele mesmo foi criticado por comer e beber com os pecadores), mas estaria mais atento ao que está por trás das comunicações escritas, mesmo as que usam emoticons, acrônimos ou siglas, como hehehe, kkkk, LOL e J, e as múltiplas citações heréticas de secularistas ateus ou panteístas, “evangelistas” aloprados como Osteen e Benny Hinn, e “feel good psychologies” centradas em “amar a mim mesmo” e “eu sou mais eu” em vez de “careço de Jesus”.

Às vezes minha própria tendência é de criticar os que pensam diferente de mim, e me calo quanto às suas confusões – quando na verdade, meu coração deveria chorar com os que choram, e ser instrumento da paz de Cristo. Jesus olhava a multidão confusa, com carências e querências maldirigidas, e via-a com compaixão, porque eram como “ovelhas sem pastor” (Mc 6.34).

 Alguns amigos se enveredaram por caminhos que levam de mal a pior, escolhendo relacionamentos tortos ou filosofias torpes – mas ainda assim, são amados pelo Criador, e eu devo usar os meios de comunicação para alcançar seus corações com a Boa Nova do perdão de um Salvador perfeito. Algumas amigas voltaram a doutrinas que aprisionam aqueles que já foram libertados por Jesus. Eu não fui chamada para criticá-las, mas para amá-las a ponto de elas voltarem ao primeiro amor, como diz o antigo corinho baseado em Ap 2.4. Muitos amigos e amigas que vendiam saúde e primavam por atletismo estão doentes: câncer, coração, até HIV acometem servos do Senhor! À medida que vamos envelhecendo, vamos pensando mais na efemeridade da vida que achávamos perene, e precisamos focar a vida eterna, que Jesus definiu assim: “Que te conheçam a ti, o único Deus Verdadeiro, e a Jesus  Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).

Percebi que o facebook não substitui outros meios de propaganda para meus serviços (como tradutora) ou divulgação dos livros que Lau e eu escrevemos (vaidade ou ministério?). As pessoas geralmente abrem apenas os comentários que têm seus próprios nomes como chamariz – afinal, todos nós somos incorrigíveis narcisistas. Aquilo que falam de nós – bem ou mal – é o que nos toca e nos move a agir, ou protestar, ou contemplar no espelho. E nisso não somos em nada como João Batista, que disse “Convém que ele cresça e eu diminua” (Jo 3.30).

A meta missionária de alcançar mulheres como eu com o amor de Jesus não pode ser de “torta no céu e tolices na terra” – por esta razão, preciso trazer o foco da comunicação ao trono de Cristo, e reconhecer que é só dele todo trabalho, todo mérito, e toda glória. Como é fácil ser “furtadora da glória” e com a cara mais lavada, procurar refletir a mim mesma em vez de resplandecer a glória de Cristo! Preciso que minhas irmãs e meus irmãos enviem “feedback” mais sério do que apenas “curtição”. Tem de comentar: “Está certa, irmã, e eu também luto com isso” e “Minha irmãzinha, pense biblica, e não bethmente sobre isso, e se arrependa!” Preciso constantemente derrubar os ídolos do próprio coração, em vez de apontar para as idolatrias tolas de outros irmãos. Acima de tudo, em vez de concentrar em meu facebook, tenho de reconhecer e assumir para mim: “Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo”(2Co 4.6).

Elizabeth Gomes