quarta-feira, setembro 26, 2012

CARATER, PESSOA E PERSONAGEM



Caráter, no Aurélio, inclui o conjunto de qualidades de um indivíduo (boas ou más) que determinam sua conduta e concepção moral, firmeza e coerência de atitudes, domínio de si. Já as pessoas de língua inglesa, além dessas qualidades de conduta e concepção, vêem o caráter de forma mais lassa – a personagem de uma história ou peça teatral é sua character; e sobre alguém de índole ou atitude jocosa fala-se “He’s quite a character” – com sentido totalmente diferente de “He is a person of character and integrity”.

Estive pensando no que forma o caráter de uma pessoa e como as personagens de meus contos, por exemplo, precisam ser construídos para ser não apenas verossímeis, mas também verdadeiros. Quando o cristão escreve, é necessário que construa um pensamento que revele algo verdadeiro – mesmo quando escrevendo ficção – e ilumine e norteie a vida do leitor, comunicando graça e verdade. Pelo menos, é isso que idealizo ao pensar nas pessoas e personalidades que invento – para que edifiquem as pessoas verdadeiras que lêem, a fim de que a Jesus seja, em primeira e última instância, a Pessoa glorificada. Parece complicado – e é! Na verdade, muitas vezes, nós aprendizes de escritor não chegamos a entender nossa própria pessoa, quanto menos compreender o que seja um caráter coerente de fala (ou escrita) e vida.

O único jeito de começar a entender isso é compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus” (Ef 3.18). O que essa profunda verdade teológica tem a ver com uma verdade da comunicação escrita? Cremos em um Deus que é Verbo e Vida (Jo 1.1,4) e não dá para separar o que comunicamos daquilo que vivemos; assim como não podemos separar o Verbo de Deus, Jesus, da Vida que está nele. A comunicação de palavra e de procedimento em Jesus é multifacetada – inclui largura, altura, profundidade e todos os demais aspectos, excedendo todo o entendimento, para que sejamos tomados de toda a plenitude de Deus! Não pode ser apenas uma parcela do pensamento – é toda a vida para a vida toda!

Ao mesmo tempo em que esse ideal apresenta múltiplas complexidades, é também simples como pão e água – como as metáforas mais simples que Jesus usou para comunicar às pessoas simples de vidas complicadas pelo pecado: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6.35) e “tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4.10).

O compilador de Provérbios engloba em sua introdução os diversos aspectos da sabedoria e da comunicação inteligente:

Para aprender a sabedoria e o ensino; para entender as palavras de inteligência; para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a eqüidade; para dar aos simples prudência e aos jovens, conhecimento e bom siso. Ouça o sábio e cresça em prudência; e o instruído adquira habilidade para entender provérbios e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios. O temor do Senhor é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino. Filho meu, ouve o ensino de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe. Porque serão diadema de graça para a tua cabeça e colares, para o teu pescoço (Pv 1.2-9).

Parece-me esta uma descrição dinâmica de como o caráter é formado e firmado! O mesmo Koheleth, o pregador e sábio Salomão, descreveu a busca por palavras que exprimam caráter, concluindo que “debaixo do sol – quando visamos apenas o que é terreno – a produção intelectual é enfado da carne”. Mas quando as palavras e os pensamentos são conforme a Pessoa que inventou comunicação e comunhão, elas valem e transformam.

Procurou o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão palavras de verdade. As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados as sentenças coligidas, dadas pelo único Pastor. Demais, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne. De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más (Ec 12.10-14).

O próprio Salomão foi uma pessoa e uma personagem de múltiplas camadas, que conheceu a sabedoria mais que outro qualquer da história humana, teve inteligência e resultados ilimitados de suas atividades intelectuais – no entanto, faltou-lhe caráter na hora de aplicar à vida conjugal e, enfim, à vida comum em seus mais diversos aspectos.

As palavras dos sábios são aguilhões, são lanças – jogadas para um objetivo que está mais longe do escritor – assim também desejamos alcançar além de nós mesmos e de nosso círculo restrito de conhecidos. Porém, são também pregos bem firmados – fincam fundo, unem e coadunem “as sentenças coligidas dadas pelo único Pastor”. Em essência, quem nos faz escrever é Deus, que apascenta-nos e dá-nos música e movimento. Não somos inspirados da mesma forma que a inspiração da Escritura – que é toda e única (2Tm 3.16). Porém, o que nos move a escrever, a comunicar – é o Criador de toda criatividade!

Não é fácil escrever – exige planejamento, elaboração e buriladas constantes. Mas também não é difícil a comunicação – exige a simplicidade da graça, verdade, sintonia com o Autor da vida e consumador da fé.

Elizabeth Gomes

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