sexta-feira, novembro 26, 2010

OLHANDO FOTOS DO NOTICIÁRIO COM OS ÓCULOS CRISTÃOS


Das fotos da semana no noticiário, essa dos carros incendiados no Rio de Janeiro é quente. Compete com as outras. A da miséria e da fome no planeta ameaçado de aquecimento global pelos ventos agoureiros, toca no fundo, pois ver pessoas sofrendo é coisa que dói na alma. A da briga entre muçulmanos e cristãos gera calor por causa do atrito, mas não chega a mexer com o coração, uma vez que a mídia da arena política sopra ar frio, torcendo mais para os leões do que para os cristãos. As dos animais, para aquele que prefere cheiro de cavalo a odor de gente, move ondas de um calorzinho maroto. A dos carros, essa sim, deixa a gente de cabeça quente!

Imagina só o que diriam os defensores do aborto se eu lançasse um movimento em favor do aborto de baleias! Nem imagine falar que o islamismo implica a prática da violência; isso seria lançar etanol no fogo politicamente correto! Quanto mais, dizer que a solução para a fome e a miséria é o trabalho! E o “direito” à vida, sem trabalho?

Por isso é que gostaria de dizer que não entendo a significância dos carros queimados. Gostaria, mas não posso, pois a entendo muito bem. Afinal, carro não é aquele negócio em que a gente põe mais dinheiro do que no resto da vida? A cama a que o corpo se recolhe por quatro a oito horas no dia, os sapatos que suportam esse peso todo por dez ou dozes horas diárias, a casa com a patroa e os filhos (mais duradouros, vão estar sempre por aí), e a saúde que bem ou mal a gente vai levando, tudo isso não se compara ao carro. Criança de assento e cinto é educada no carro: “Vê se não maltrata a professora, coitadinha”, “chegando a casa, não vá amolar o papai”; “fica quieto, menino, eu já falei quinhentas vezes!” Isso, sem falar daquele pronome de motorista que o pai usou contra o caminhoneiro do lado.

Na declaração prática dos direitos da humanidade, aquela que veicula na TV e nos obriga a estradas com buracos pagos, o primeiro artigo deveria ser: todo ser humano tem direito a carro para ir e vir. Mas essa é uma causa perdida; primeiro, ir e vir é liberdade do passado, agora limitada por temíveis aduanas de fronteiras e de estradas terroristas; segundo, quem é que pode comprar um carro sem uma ponta de culpa por tirar o leite da boca das crianças? E o direito do menor, lá em casa? E o direito da minoria feminina, lá em casa? E o meu direito ao sucesso, que só depende do carro que eu “visto”? Parece que tudo se resume ao direito dos “sem causa”. Sem terra vem e toma conta da minha terra. Sem teto vem, e assume o prédio dos outros. Vem sem sexo, e quer que os outros tenham plurassexualidade. Ora, eu, sem rodas, quero meu carro!

Vem daí, que o carro seja um símbolo importante, cuja queima atinge o âmago da sociedade, alcança o intestino da personalidade humana. A foto dos carros queimados fala mais alto de que labareda consumindo o lábaro nacional; diz mais sobre o povo do que toda a arenga sobre educação. Para que queimar escolas, se elas já não ensinam a alunos o mérito do saber E NEM (perdoe o trocadilho) servem de bom emprego para mestres honrados? Para que queimar terras se essas já vêm queimadas de balões, de fogos criminosos e de rápida reposição de pasto? Para que queimar gente, se todos já estamos fritos nessa panela socialista de direitos de todos sem deveres dos governantes? A coisa é mesmo queimar carros. Claro que queimar televisão seria loucura – quem é que iria “fazer a cabeça” da moçada, dos válidos existencialmente falando, dos da melhoridade (quem inventou essa jamais foi velho!), e dos sem carro? Queimar carros até que ajuda, no sentido de promover as montadoras, as revendedoras e o mercado de peças.

De toda a aparente baboseira acima, há uma só coisa que faz sentido. Alguém põe fogo na casa, e nós corremos para salvar aquilo que nos seja mais importante! Uns saem de roupa de baixo, com uma caixa de jóias ou uma pasta de investimentos na mão. Outros, mais pudicos, saem de pijamas, carregando um retrato de valor sentimental. Uns com o filho no colo, e, outros, desesperançados, com uma mão na frente e outra atrás. Cada um salva o que tem de mais caro.. A coleção de notícias ou sem notícia somente revela o que somos: sem causa! O fogo chegou aí, não só no bolso, mas no coração da humanidade, e tem jornalista pelado correndo para achar uma palavra que impressione, e tem leitor vestido apenas de óculos escuros.

Na minha mente, o sinal é claro: “Em caso de incêndio, guarde a língua”. Foi isso que disse o autor de uma matéria publicada na Bíblia, nas páginas finais (Tiago 1.26; 3.5-6). Ele, até mesmo, descreve um retrato, dizendo que a palavra revelada por Deus é como um espelho em que o homem vê a si mesmo e, se não a pratica, sai e se esquece de como era feio (Tg 1.23). Tal, diz ele, é a razão por que não entendemos a condição de estultícia e infelicidade que rasga a face da alegria de viver. Se nossa riqueza consistisse na verdadeira sabedoria, não nos perderíamos em lutas libertárias inglórias (Tg 1.1-8). Que é que significa isso de “lutas libertárias inglórias”? Primeiro, liberdade tem de ter duas referências: liberdade de e para alguma coisa, pressupondo algum tipo de jugo e algum tipo de novo tratado de objetivos e intenções. Segundo, jugo e pacto libertário dizem respeito a alguma espécie de relacionamento interpessoal que, por sua vez, pressupõe honra e acato entre as partes.

É o caso da questão da nossa Lei Áurea. Do que é que os escravos foram libertados? Deveriam ter sido libertados de toda infamante história escrita pela ganância humana. Serviço obrigatório e forçado já existia há muito tempo, mas era sempre regido por força contratual. Alguém que devia a alguém poderia pagar com trabalho. Contudo, a cobiça atrai e seduz e, uma vez consumada, gera o pecado e a morte (Tg. 1.14-15). Quando a turma do sangue bom precisou de mão de obra barata, a solução, é claro, foi a de baratear uma sociedade e seus membros individuais. Quem? Um grupo cujas características fossem tão diferentes que sua degradação não chegasse a causar tanta espécie. A fim de convencer as mentes para a aceitação e a legalização da venda e compra de seres humanos, foi tecido todo um discurso em que as palavras vinham despidas do verdadeiro significado e vendidas ao povo como a nova roupa do imperador. Lembra disso? Um alfaiate safado ia fazer uma roupa de fios de ouro para o imperador; guardando o precioso, ele inventou a idéia de uma roupa a que só veriam os inteligentes. A farsa durou só até um menino gritar: “O rei está pelado!” Pois é isso aí. Como fotos na propaganda e no noticiário, as palavras começaram a mudar as roupas de coisas e pessoas. A pele escura, dos tons marrons aos negros quase azulados, luzidia ao sol ou lua do continente selvagem, passou a ser chamada, de preta fula a negraça. Depois, ajuntaram-se ternos designativos de lugar a termos derrogatórios: cabinda, pretinho, negrinha, moleque, carapinha, benguela, crioulo, angola – tudo para formar um conceito espúrio a guisa de justificativa para o poder da ganância. A isso, Tiago apõe o princípio: “...se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo argüidos pela lei como transgressores” (2:9).

Da mesma forma, o discurso da política formou a cabeça brasileira. O socialismo não diferenciado que assola a nação pretende erradicar a fome e a miséria por meio da caneta. Bolsa família substituiu a frente de trabalho, e a frente de trabalho já havia substituído o trabalho meritoriamente remunerado. Hoje, o ganho tem de ser mais fácil, mais rápido, mais, muito mais. Eleição democrática, então, é uma palhaçada. A solução final acaba sendo a eleição do superantiherói do momento. Verdade, honradez, honestidade, conhecimento, mérito, capacidade, habilidade são palavras que vêm confundidas com as expressões da “sabedoria” popular: “a verdade é relativa”; “às vezes, a mentira é necessária”; “honra é coisa do passado”, “merece quem tem sucesso”; “capacidade mostra quem chega lá”; “habilidade é conseguir dar nó em pingo d’água”; “habilidade é esperteza”. Na educação, então, o problema cresce. Os pais são cerceados na tarefa de educar os filhos e os professores (pais sem poder pátrio), não têm condições para substituir o ensino informal e não formal do lar.

Quanto ao cristianismo, então, o quadro é o de uma absurdidade tamanha que ultrapassa as raias da razão. Qualquer um se sente no direito de criticar a sabedoria cristã, com base na “sabedoria” convencional humana (Tg 3.17-18). Se nos opomos ao relato darwiniano, da evolução das espécies, logo vem um que trata o ex-pastor e biólogo diletante como se fosse Deus. E se disséssemos que Darwin jamais teria existido? E com que base diríamos isso? Na mesma em que dizem que Deus não existe. Como alguém disse: “Mas, de Darwin, nós temos uma fotografia!” Que argumentem, então, com sucesso, a autenticidade, inerrância e autoridade do escritos de Darwin da Bretanha, e teremos um início de conversa. Quanto a Jesus da Galiléia, sem retrato, mas com palavras tais que a sabedoria não pode ser negada, a argumentação não é difícil de ser compreendida e exposta.

Olhe as obras da sabedoria humana à luz da melhor comprovação humana: carros queimados, gente queimada, chão crestado. Da boca da humanidade saem bênção e maldição, e não é bom que seja assim (Tg 3.10). De fato, Tiago prossegue (3.14-17), o que sai da boca vem do coração, e aquilo que temos visto e ouvido soa e se assemelha a obras de “inveja amargurada e sentimento faccioso”. Agora, considere as obras da sabedoria de Deus. Elas vêm do alto, como chuvas de virtudes, “pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento”.

A liberdade verdadeira procede de Deus. É aquela que nos liberta do círculo vicioso de comportamentos rebeldes e palavras dúbias (Tg 1.5-8) e nos capacita a perseverar nos propósitos e caminhos de Jesus Cristo. Essa não pensa que o valor da vida está naquilo que temos ou exibimos. O pobre deveria se gloriar na riqueza da dignidade e o rico, na insignificância do seu aparente poder. Um e outro deverão prestar contas a Deus. A verdadeira liberdade não pensa em termos de direitos nossos e deveres dos outros nem em termos de gotas de sabedoria humana para salvar do fogo a humanidade. Antes pensa em termos da paz que semeia o fruto da justiça para os que promovem a paz (Tg. 3.18).

Especialmente, Deus nos gerou por meio de sua palavra (Tg 1.18) e somente ela sustenta nossa vida. Sem essa noção de verdade, todas as nossas palavras serão incertas e todas as nossas análises serão enganosas. Com ela, nosso entendimento de Deus, do homem e do mundo terá o poder da palavra que vale mais do que dez mil figuras.


Wadislau M. Gomes

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